TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

122 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pela nulidade das provas proibidas em virtude de terem sido obtidas mediante a colaboração involuntária do arguido em consequência do uso ilegítimo de meios coercivos ou de meios enganosos. É de acordo com esta teleologia que o âmbito de proteção daquele princípio deve ser determinado, seja quanto aos modos de colaboração forçada e seus limites, seja quanto ao momento a partir do qual aquela garantia se torna operante. Com efeito, embora o direito ao silêncio do arguido num processo criminal integre o núcleo de tal pro- teção – porque é imediatamente o estatuto de sujeito processual que está em causa –, a sua razão de ser leva a estendê-la para além das declarações sobre os factos imputados ao arguido e à sua culpabilidade, a formas de colaboração ou intervenção deste mais instrumentais relativamente à produção de prova incriminatória, como é o caso da prestação de informações, da entrega de documentos ou de outras formas de colaboração que possam contribuir para a sua condenação (cfr. os Acórdãos n. os 461/11 e 340/13); e, mesmo para além das fronteiras do processo penal, quando o destinatário do pedido ou exigência de colaboração é somente suspeito ou alguém que apenas tem a perceção de poder vir a ser constituído arguido na sequência da sua colaboração [cfr., por exemplo, a legitimação da recusa de colaboração com o responsável pela direção do procedimento administrativo quando a mesma importe a revelação de factos puníveis praticados pelo pró- prio ou pelos que lhe são próximos, prevista no artigo 117.º, n.º 2, alínea c) , do Código do Procedimento Administrativo]. Em determinadas circunstâncias justifica-se, inclusivamente, a imposição às autoridades públicas, maxime aos órgãos de polícia criminal e às autoridades judiciárias, de deveres de esclarecimento ou de advertência e de constituição como arguido de pessoas visadas em ordem a atribuir-lhes o estatuto cor- respondente. Há igualmente, nestes casos de relevância pré-processual, um potencial de projeção no futuro processo sancionatório, nomeadamente enquanto impedimento à valoração e consideração da colaboração autoincriminatória involuntária – segundo o sentido já referido de ter sido obtida ilegitimamente por meios coercivos ou enganosos – na decisão desse mesmo processo. 11. A Constituição não consagra expressis verbis o princípio nemo tenetur se ipsum accusare , mas tal não impede o seu reconhecimento como um princípio constitucional implícito a que corresponde um direito fundamental não escrito (neste sentido, vide entre muitos, Manuel da Costa Andrade, ob . cit . , p. 120 e seguintes; Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, “Poderes de supervisão, direito ao silêncio e provas proibidas” (Parecer) in Supervisão, Direito ao Silêncio e Legalidade da Prova, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 38-39 e Augusto Silva Dias e Vânia Costa Ramos, O direito à não autoinculpação ( nemo tenetur se ipsum accusare ) no processo penal e contraordenacional português , Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 14-15; na jurisprudência, vide os Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 695/95, 542/97, 304/04, 181/05, 155/07, 461/11, 340/13 e 360/16; vide também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 14/14, publicado no Diário da República , 1.ª série, de 21 de outubro de 2014). Este direito à não autoincriminação em sentido amplo abrange, na sua área nuclear, o direito ao silêncio propriamente dito e desdobra-se em diversos corolários, designadamente nas situações em que esteja em causa a prestação de informações, a entrega de documentos ou outras formas de colaboração e que correspon- dem a zonas de proteção mais periféricas (cfr. os Acórdãos n. os 461/11 e 340/13). Como referido, a interven- ção do princípio nemo tenetur (e, portanto, dos direitos dele decorrentes) no processo penal ocorre sob duas formas distintas: preventivamente, impedindo soluções que façam recair sobre o arguido a obrigatoriedade de fornecer meios de prova que possam contribuir para a sua condenação; e, repressivamente, proibindo a valoração de meios de prova recolhidos com aproveitamento duma colaboração imposta ao arguido. Deste modo, os direitos ao silêncio e à não autoincriminação devem considerar-se incluídos nas garan- tias de defesa próprias do processo penal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição; cfr. também os Acórdãos n. os 695/95, 461/11 e 340/13), não deixando estes direitos processuais de proteger mediata ou reflexamente a dignidade da pessoa humana e outros direitos fundamentais com ela conexos, como sejam os direitos à inte- gridade pessoal, ao livre desenvolvimento da personalidade e à privacidade, não se revelando necessário, para sustentar o acolhimento constitucional, o recurso a parâmetros mais genéricos ou distantes como o direito

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