TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
120 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL As referências ao direito ao silêncio e ao direito à não autoincriminação remetem para o disposto nos artigos 61.º, n.º 1, alínea d) , do CPP (disposição que prevê o direito do arguido a não responder a pergun- tas feitas sobre os factos que lhe são imputados) e no artigo 125.º do mesmo diploma (disposição sobre a legalidade da prova: «[s]ão admissíveis as provas que não forem proibidas por lei»), visto que está em causa a admissão de prova resultante de certos documentos, tendo a primeira instância considerado que a mesma não é proibida por aplicação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare . A interpretação conjugada daqueles dois preceitos, a que acresce o artigo 126.º, n.º 2, alínea a) , do CPP, encontra-se, deste modo, subjacente às duas questões de constitucionalidade enunciadas sob as alíneas b) e c) da resposta ao despacho convite e nas conclusões 22.ª e 23.ª das alegações do recorrente. Por outro lado, não estão em causa no presente recurso os concretos modos como a Administração fiscal acedeu aos documentos usados como prova em processo penal tributário, sendo suficiente a menção genérica e remissiva de que os mesmos foram obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro (“RCPITA”), e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 12 de dezembro (“LGT”). Acresce ser evidente que, estando em causa docu- mentos obtidos ao abrigo do referido dever de cooperação no quadro de inspeções tributárias, os mesmos documentos não chegaram à Administração fiscal com recurso aos meios de obtenção de prova regulados no CPP, designadamente a apreensão de documentos ou as buscas. Para efeitos de delimitação do objeto do recurso, importa fazer ainda duas observações. Em primeiro lugar, e pesem embora os processos de intenção e as acusações de manipulação e instru- mentalização a que se reportam as conclusões 3.ª, 7.ª, 12.ª, 18.ª, 21.ª, 27.ª e 29.ª das alegações do recorrente, as questões de constitucionalidade, tal como este as enuncia, não referem este aspeto. Significa isto que, na análise a realizar, este Tribunal não tem de considerar uma motivação da parte da Administração que não seja aquela que decorre do puro e simples exercício das respetivas competências. Em termos jurídico-práticos, a questão redundará, assim, em determinar as consequências a retirar da pendência de um processo penal tributário quanto ao resultado do exercício das competências inerentes a uma inspeção tributária. Em segundo lugar, importa recordar e sublinhar, conforme é expressamente referido no acórdão recor- rido, assim como pelo recorrente na conclusão 20.ª das suas alegações, que os documentos em causa, isto é, aqueles que foram obtidos pela Administração por via da inspeção tributária e posteriormente valorados pelo tribunal num processo penal respeitante a um crime fiscal – o abuso de confiança fiscal – foram apenas documentos fiscalmente relevantes (cfr. o artigo 113.º, n.º 4, do RGIT: estão em causa «os livros, demais documentos e respetivas versões eletrónicas, indispensáveis ao apuramento e fiscalização da situação tribu- tária do contribuinte»). Trata-se de elementos que, estando na posse do contribuinte – e cuja existência e obrigatoriedade de conservação está, na maior parte dos casos, legalmente prevista –, são solicitados pela Administração tributária no âmbito de um procedimento inspetivo. 8. Pelo exposto, o objeto do presente recurso é a interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d) , 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a) , todos do Código de Processo Penal, segundo a qual os documentos fiscal- mente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Comple- mentar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no mesmo processo. B) Do mérito 9. Assim delimitado o objeto do recurso, importa apreciar se a interpretação normativa questionada viola algum parâmetro constitucional.
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