TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

115 acórdão n.º 298/19 restrinjam, designadamente das garantias de defesa do arguido que incluem o direito ao silêncio do arguido e a não se autoincriminar. 20.ª Quer isto dizer que os documentos constantes dos autos principais decorrentes das inspeções tributárias e os documentos constantes dos anexos, constituídos por documentos fiscalmente relevantes (faturas, meios de pagamento, folhas de férias, etc.) é ilegal e inconstitucional. 21.ª A interpretação que o acórdão recorrido fez do disposto no art.º 126.º n.º 2 al. a) do Código de Processo Penal, no sentido de ser permitido que a Administração Tributária, sem prévio despacho da autoridade judiciária competente, desencadeie uma inspeção tributária com a finalidade de recolher meios de prova para o processo penal no seu decurso, é inconstitucional por violação dos art. os 20.º n.º 4, 32.º n.º 1, 2 e 4 da Constituição. 22.ª Forçoso é, também, concluir que a interpretação do disposto nos artigos 61.º, n.º 1, alínea d) , e 125.º, do Código de Processo Penal, no sentido de que se podem admitir no processo penal como prova, os documentos obtidos por uma inspeção tributária a que se procedeu durante o inquérito criminal, ao abrigo do dever de coope- ração imposto nos artigos 9.º, n.º 1, 28.º, n.º 1 e 2, 29.º e 30.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro, e nos artigos 31.º, n.º 2, 59.º, n.º 4 e 63.º n.º 1 e 3, da LGT, sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, é inconstitucional por violação do disposto nos art. os 1.º, 18.º n.º 2, 20.ºn.º 4, 32.º n.º 1 e 4, 34.º n.º 1 e 2 e 219.º n.º 1 da Constituição. 23.ª Ou talvez dito de forma mais completa, a interpretação que se extraia do disposto no art.º 61.º n.º 1 b) , d) , e) , f ) e h) , 124.º n.º 1, 125.º, 126.º n.º 1 als, a) , d) e e) 3, e 4, 174.º e 176.º, 178.º, 179.º e 182.º, 267.º, 268.º, 269.º e 270.º do Código de Processo Penal no sentido de que podem ser usadas como prova em processo criminal fiscal, documentos cedidos por funcionários de uma empresa ou pelos agentes do crime, seus diretores a uma inspeção tributária, ao abrigo do dever de cooperação previsto nesse diploma legal e nos art. os 31.º n.º 2 e 59.º n.º 4 da LGT, obtidos a pedido dessa inspeção, quer pessoalmente, quer através de recolha desses documentos nas instalações, sem cumprir o ritualismo previsto no Código de Processo Penal para a apreensão de documentos e para uma busca, é inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito, do princípio da legalidade, da igualdade, do direito à integridade moral, à reserva da intimidade da vida privada, o princípio das garantias de defesa, o princípio da tutela jurisdicional dos atos instrutórios e de inquérito, inviolabilidade da correspondência e o princípio do processo equitativo (cfr. art. os 2.º, 3.º, 13.º n.º 1, 25.º n.º 1, 26.º n.º 1, 32.º n.º 1, 4 e 8 e 34.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 6.º n.º 1 da CEDH). 24.ª De facto, os órgãos de polícia criminal não têm um poder de investigação autónoma, cabendo estes apenas ao Ministério Público e ao Juiz de Instrução quanto à decisão de aplicação de medidas de coação. 25.ª A realização das inspeções tributárias não teve qualquer intervenção do Ministério Público (quer no seu deferimento ou validação) enquanto defensor da legalidade e a quem incumbe o exercício da ação penal, sendo que o poder de promoção processual do Ministério Público não se esgota na dedução de acusação, pelo que resulta violado o art.º 219.º n.º 1 da Constituição. 26.ª A Administração Pública, incluindo, portanto a Administração Tributária, deve, nas suas atuações face aos administrados, respeitar os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, o que não aconteceu no presente caso. Daí que também resulte violado o art.º 266.º n.º 1 da Constituição. 27.ª A restrição do direito de o arguido a não se autoinculpar em face do direito do Estado de arrecadar impos- tos ainda que se entenda que é proporcional, nunca por nunca essa restrição pode ser feita no decurso do processo penal e apenas e só com o intuito de recolher prova para o incriminar. 28.ª Na verdade, o Estado arrecada impostos ou através do seu pagamento voluntário ou da execução fiscal através da penhora de bens e não através de qualquer processo criminal, nos quais, aliás, a Administração Tributária ou o Ministério Público não deduzem sequer pedido de indemnização civil. 29.ª Se a realização de inspeção tributária em momento anterior à abertura do processo criminal tem respaldo legal, devendo o inspetor tributário comunicar os factos ilícitos ao Ministério Público, já não tem qualquer res- paldo legal fazer-se uma ação inspetiva no decurso de um processo penal, por forma a recolher prova que, de outro modo, no âmbito do processo penal, o arguido teria direito a recusar-se a ceder ou que apenas seria obrigado a ceder mediante decisão judicial que ordenasse buscas ou apreensão de documentos.

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