TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
114 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 6.ª Para além disso, os inspetores têm ainda direito ao exame, requisição, e reprodução de documentos em poder dos sujeitos passivos ou outros obrigados tributários, para consulta, apoio ou junção aos relatórios, processos ou autos (cfr. o art. 28.º, n.os 1 e 2 do supra citado diploma). 7.ª O facto de se ter lançado mão do procedimento de inspeção tributária apenas se justifica de uma forma: pretendia-se ultrapassar o entrave que constituía para a Administração Tributária a eventual invocação do direito ao silêncio e o direito de não colaborar com a investigação, por forma a que a investigação decorresse de forma mais rápida e que o arguido não tivesse forma de se opor às diligências que se pretendiam levar a efeito. 8.ª Foi, pois, com todo o à vontade que os inspetores tributários circularam nas instalações do arguido, obtendo da parte dos funcionários, representantes legais toda a cooperação que lhes é exigida pela Lei Tributária, mas que, em nenhum momento se coadunam com os direitos conferidos aos arguidos, com o princípio da proporcionali- dade e com os princípios inerentes aos meios de obtenção de prova e meios de prova em processo penal. 9.ª Escancarando-se as portas do processo penal à prova obtida no âmbito do Procedimento de Inspeção Tribu- tária, está-se a violar os princípios de proibição de autoinculpação do arguido, o seu direito ao silêncio e o direito de ver escrutinado pelo Juiz de Instrução o acesso a documentos e outros elementos de prova. 10.ª O contribuinte/arguido vê-se envolvido numa camisa de sete varas, ou seja: ou coopera e vê-se na contin- gência de contribuir para a sua incriminação no processo penal, ou não coopera e, do mesmo modo, comete um crime. 11.ª Nunca foi invocada qualquer necessidade e/ou urgência na recolha de prova que suportasse a existência de qualquer providência cautelar para salvaguardar prova do crime. 12.ª As inspeções tributárias levadas a cabo confessadamente, destinaram-se, apenas e tão-só a recolher prova para o processo crime e no seu decurso. 13.ª A cooperação do arguido no âmbito do processo crime deve ser livre e esclarecida, na medida em que este pode e deve poder decidir quando e se presta declarações no âmbito do processo. 14.ª Os direitos do arguido a não prestar declarações sobre os factos que lhe são imputados e a não fornecer provas que o possam incriminar são uma dupla consequência do princípio da presunção da inocência, ou seja, é exatamente porque ele beneficia desta presunção (que determina a inversão do ónus da prova), devendo mesmo ser absolvido em caso de dúvida acerca da autoria da infração penal (é o conhecido princípio in dubio pro reo ), que o arguido não pode assumir a dupla veste de investigador e investigado. 15.ª Realizando-se uma inspeção tributária no decurso do processo penal o arguido é fraudulentamente indu- zido ou coagido a contribuir para a sua condenação, carreando ou oferecendo meios de prova contra a sua defesa. 16.ª O direito à não autoinculpação do contribuinte/arguido não deve ser postergado ou comprimido por qualquer outro dever do contribuinte/arguido, designadamente o de cooperação com a Administração Tributária. Fazê-lo seria defender que o arguido deve contribuir para a sua condenação e, no fundo, inverter o ónus da prova no âmbito do processo penal, manietando o arguido, tornando-o um objeto, conforme os interesses da investi- gação, violando frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana previsto no art.º 1.º da Constituição. 17.ª O direito a um processo equitativo, protegido pelo art.º 6.º n.º 1 do CEDH, inclui, quer para o arguido, quer para o suspeito, sejam eles pessoas singulares ou pessoas coletivas, um direito ao silêncio e um direito a não colaborar com as autoridades de investigação ou de acusação, fornecendo-lhes provas das infrações por eles alega- damente cometidas. 18.ª O que aconteceu nos presentes autos com as inspeções tributárias determinadas arbitrariamente pela Autoridade Tributária – nas costas do Ministério Público –, designadamente com a apreensão de documentos é manifestamente ilegal, desde logo, porque nunca foram autorizadas, ordenadas ou validadas por quem quer que fosse, ao arrepio do disposto no art.º 178.º n.º 3 do Código de Processo Penal, do princípio da presunção de ino- cência e da intervenção obrigatória da autoridade judiciária no deferimento ou validação desses meios de prova (arts. 32.º, n.º 2 e n.º 4 da Constituição da República Portuguesa). 19.ª Os art. os 1.º, 20.º n.º 4 e 32.º n.º 1 e 4 da Constituição e o direito a um processo equitativo demanda que seja um juiz a decidir a restrição dos direitos liberdades e garantias, a ordenar ou validar os meios de prova que os
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