TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
113 acórdão n.º 298/19 « b) Da interpretação do disposto nos artigos 61.º, n.º 1, alínea d) , e 125.º, do Código de Processo Penal, no sentido de que se podem admitir no processo penal como prova, os documentos obtidos por uma inspeção tributária a que se procedeu durante o inquérito, ao abrigo do dever de cooperação imposto nos artigos 9.º, n.º 1, 28.º, n.º 1 e 2, 29.º e 30.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro, e nos artigos 31.º, n.º 2, 59.º, n.º 4, e 63.º n.º 1 e 3, da LGT, sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, por violação do disposto nos art. os 1.º, 18.º n.º 2, 20.º n.º 4, 32.º n.º 1 e 4, 34.º, n.º 1 e 2 e 219.º n.º 1 da Constituição; c) Da interpretação que se extraiu do disposto no art.º 61.º n.º 1 b) , d) , e) , f ) e h) , 124.º n.º 1, 125.º, 126.º n.º [2] als. a) , d) e e) 3, e 4, 174.º e 176.º, 178.º, 179.º e 182.º, 267.º, 268.º, 269.º e 270.º do Código de Processo Penal no sentido de que podem ser usadas como prova em processo criminal fiscal, documentos cedidos por funcionários de uma empresa ou pelos agentes do crime, seus diretores a uma inspeção tributária, ao abrigo do dever de cooperação previsto nesse diploma legal e nos art. os 31.º n.º 2 e 59.º n.º 4 da LGT, obtidos a pedido dessa inspeção, quer pessoalmente, quer através da recolha desses documentos nas instalações, sem cumprir o ritualismo previsto no Código de Processo Penal para a apreensão de documento e para uma busca, é incons- titucional por violação do princípio do Estado de Direito, do princípio da legalidade, da igualdade, do direito à integridade moral, à reserva da intimidade da vida provada, o princípio das garantias de defesa, o princípio da tutela jurisdicional dos atos instrutórios e de inquérito, inviolabilidade da correspondência e o princípio do processo equitativo (cfr. art. os 2.º, 3.º, 13.º n.º 1, 25.º n.º 1, 26.º n.º 1, 32.º, n.º 1, 4 e 8 e 34.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 6.º n.º 1 da CEDH).». 3. O recorrente apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões (cfr. fls. 1910, verso 1914): «1.ª O princípio nemo tenetur se ipsum accusare , além de abranger o direito ao silêncio propriamente dito, desdobra-se em diversos corolários, designadamente nas situações em que estejam em causa a prestação de infor- mações ou a entrega de documentos autoincriminatórios, no âmbito de um processo penal. 2.ª “O princípio nemo tenetur está subtraído a todo o juízo de ponderação mesmo face aos interesses ou valores de maior relevo e eminência comunitária. Como o interesse da eficiência da justiça criminal, maxime na persegui- ção dos crimes mais graves. Valores ou interesses cuja prossecução não pode, em caso algum justificar que o arguido venha a ser coativamente convertido em instrumento ativo da sua própria condenação. – Costa Andrade in RLJ n.º 3989, pág. 146. 3.ª Nos presentes autos foram realizadas 3 inspeções tributárias durante o inquérito, tantas quantos os inquéri- tos apensados no presente processo. Tais ações inspetivas foram ordenadas e tinham como intuito confessado o “de obter elementos de prova de crime de abuso de confiança fiscal, relativo a retenções na fonte de IRS efetuadas e não entregues no mês de Julho de 2011, de forma a instruir o processo de inquérito n.º 46/2012.6 IDBRG” (cfr. fls. 85 dos autos) e “de obter elementos de prova de crime de abuso de confiança fiscal, relativo a retenções na fonte de IRS efetuadas e não entregues dos meses de agosto a dezembro de 2011) e IVA dos meses de setembro e outubro de 2011 e janeiro e fevereiro de 2012, de forma a instruir o processo de inquérito n.º 288/2012.4IDBRG”(cfr. fls. 552). 4.ª No âmbito do inquérito criminal, tal como em todas as fases do processo criminal, todo o arguido tem direito ao silêncio e de não contribuir para a sua condenação, ao contrário do que acontece no procedimento de inspeção tributária, pelo que, realizar três inspeções tributárias no decurso do inquérito criminal é subverter as mais elementares regras do processo e obrigar o arguido, sob coação, a contribuir para a sua condenação. 5.ª Nos termos do art.º 9.º, n.º 1 do DL 413/98 de 31 de dezembro, o sujeito passivo alvo de inspeção tribu- tária está sujeito ao dever de cooperação, cominando a lei, a recusa de colaboração e a oposição à ação de inspeção tributária, com a eventual responsabilidade contraordenacional e criminal do infrator (cfr. o art.º 32.º n.º 1 do RCPIT), tendo ainda os inspetores tributários livre acesso às instalações e dependências da entidade inspecionada pelo período de tempo necessário ao exercício das suas funções.
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