TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
112 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL XII - O sacrifício do direito fundamental à não autoincriminação no domínio do processo penal tributário, mesmo considerando que apenas está em causa uma zona periférica do seu âmbito de proteção (os documentos fiscalmente relevantes), não se mostra suficientemente justificado pelos interesses que relevam da garantia das funcionalidades próprias do sistema fiscal e do cumprimento da lei fiscal na fase sancionatória; verifica-se uma relação desequilibrada entre os custos e os benefícios da restrição em análise, uma vez que inexiste uma articulação racional suficiente entre os custos ou desvantagens a suportar pelo titular do direito – o contribuinte, suspeito ou arguido – e os benefícios ou vantagens que a mesma permite alcançar para o interesse público; por isso, tal restrição do direito à não autoin- criminação ínsito no princípio nemo tenetur se ipsum accusare mostra-se desproporcionada e, como tal, constitucionalmente ilegítima. XIII - A obtenção coerciva de prova documental através da colaboração ativa do acusado, no sentido mate- rial e específico que lhe é dado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), ainda que se trate de documentos preexistentes ou pré-constituídos e que, portanto, não careçam de ser produzidos na sequência da intimação ou por causa dela, também se inclui no âmbito de proteção do direito à não autoincriminação; em qualquer caso, o âmbito de proteção do nemo tenetur deve ser determinado em função da sua teleologia, que não depende da natureza dos meios de prova, mas da necessidade de salvaguardar a autodeterminação do arguido na condução da defesa face à acusação da prática de uma infração. Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. A., recorrente nos presentes autos em que é recorrido o Ministério Público, foi condenado por sentença da Instância Local Criminal de Guimarães do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, na pena de 500 (quinhentos) dias de multa, à taxa diária de € 20 (vinte euros), pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto no artigo 105.º, n. os 1, 2 e 5, do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho (“RGIT”). Inconformado, recorreu para o Tri- bunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de 22 de junho de 2017, julgou o recurso improcedente e confirmou a decisão proferida na primeira instância. Notificado deste acórdão, o ora recorrente arguiu a sua nulidade e solicitou o esclarecimento de alguns pontos do mesmo. O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 11 de julho de 2017, indeferiu o requerido. 2. É destes dois arestos que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – “LTC”). Admitido o recurso e subidos os autos, o relator convidou o recorrente a completar o requerimento de recurso. Na sequência da resposta, foram as partes notificadas para alegar, sendo o recorrente alertado para a eventualidade de uma das três questões de constitucionalidade por si indicadas – nomeadamente, a enun- ciada sob a alínea a) na resposta ao despacho convite – não vir a ser conhecida. Nas alegações que apresentou, o recorrente manifestou a sua expressa concordância quanto a este aspeto, tendo alegado apenas quanto à inconstitucionalidade das restantes interpretações normativas indicadas na resposta ao despacho convite:
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