TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

110 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL nos termos constitucionalmente exigíveis, as mencionadas restrições devem estar previstas em lei pré- via, de caráter geral e abstrato, respeitar o princípio da proporcionalidade e não diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial do preceito constitucional restringido; uma vez respeitados tais requisitos, as informações prestadas pelo arguido e outros contributos probatórios, em especial a dis- ponibilização de documentos, são exigíveis no âmbito de procedimentos de fiscalização de natureza administrativa ao abrigo dos deveres de cooperação, sendo o incumprimento destes últimos punível nos termos legalmente previstos; nessas condições, os mesmos contributos não constituem prova proi- bida, podendo ser considerados e valorados nos termos gerais. IV - A colaboração com a Administração tributária exigida aos contribuintes, à semelhança do que sucede relativamente a entidades reguladoras, é imprescindível para viabilizar o exercício da função fiscaliza- dora que àquela se encontra legalmente cometida, contudo, e diferentemente do que sucede com as entidades reguladoras a Administração fiscal, quando estão em causa crimes fiscais, não só não pode aplicar a sanção correspondente, como a sua atividade de investigação se encontra funcionalmente subordinada ao Ministério Público, enquanto titular da ação penal; acresce que, na sua raiz, o dever de colaboração com a Administração tributária se justifica principalmente por uma ideia diferente da de compensação ou contrapartida pelo exercício da liberdade de iniciativa económica; tal colaboração, ordenada ao cumprimento da obrigação de pagar o imposto legalmente devido, é recíproca e assenta numa base de confiança: o contribuinte e a Administração cooperam entre si, acreditando cada um que o outro atua de boa fé, em ordem à consecução daquele objetivo comum. V - A questão de constitucionalidade objeto do presente recurso emerge precisamente da possibilidade de ligação entre os dois procedimentos, o de inspeção tributária e o processo penal fiscal, regidos por princípios de “sinal contrário” no que se refere à posição processual do contribuinte: respetivamen- te, o princípio da cooperação com a Administração e o princípio nemo tenetur se ipsum accusare; no caso português vigora um princípio de comunicabilidade entre o procedimento de inspeção tribu- tária e o processo penal tributário, deste modo, na fase de inquérito de um processo pela prática de crime fiscal movido contra certo contribuinte, a Administração tributária que realiza uma inspeção ao mesmo contribuinte não pode desconhecer que este último também está a ser investigado em ordem a determinar a sua responsabilidade pela prática dos factos correspondentes a tal crime; toda- via, daqui não decorre uma necessária absorção da atividade de inspeção tributária pelo processo criminal ou a perda de autonomia de ambos os procedimentos, pelo contrário, pressupõem a sua tramitação simultânea. VI - O critério sob fiscalização neste recurso não respeita diretamente ao dever de entrega de documentos no âmbito de um procedimento de inspeção, mas tão somente à utilização como prova em processo penal de documentos que foram facultados pelo suspeito – ou já arguido – ou obtidos pela Admi- nistração fiscal no decurso de uma inspeção em que o mesmo, na sua qualidade de contribuinte, se encontra sujeito a deveres de cooperação; a disponibilização dos documentos em causa é efetuada no cumprimento de uma colaboração devida a entidade que reúne poderes de fiscalização administrativa no quadro da inspeção tributária com poderes de investigação criminal, enquanto órgão e autoridade de polícia criminal, beneficiária de uma presunção legal relativa à delegação de amplos poderes quanto a diligências e investigações relativas ao inquérito criminal. VII - Como este Tribunal considerou no Acórdão n.º 340/13 – que não julgou inconstitucional a nor- ma resultante da interpretação do disposto nos artigos 61.º, n.º 1, alínea d) , e 125.º do Código de

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