TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
109 acórdão n.º 298/19 SUMÁRIO: I - O princípio nemo tenetur se ipsum accusare , em causa no presente recurso, implica o reconhecimento do direito ao silêncio e do direito do arguido à não autoincriminação enquanto elementos de um processo penal de estrutura acusatória; o núcleo essencial do nemo tenetur respeita a uma dimensão negativa da liberdade de declaração, com preponderante relevo no estatuto processual penal do arguido. II - A Constituição não consagra expressis verbis o princípio nemo tenetur se ipsum accusare , mas tal não impede o seu reconhecimento como um princípio constitucional implícito a que corresponde um direito fundamental não escrito que, em sentido amplo, abrange, na sua área nuclear, o direito ao silêncio propriamente dito e desdobra-se em diversos corolários, designadamente nas situações em que esteja em causa a prestação de informações, a entrega de documentos ou outras formas de colaboração e que correspondem a zonas de proteção mais periféricas; no processo penal a intervenção do princípio nemo tenetur (e, portanto, dos direitos dele decorrentes) ocorre sob duas formas distintas: preventi- vamente, impedindo soluções que façam recair sobre o arguido a obrigatoriedade de fornecer meios de prova que possam contribuir para a sua condenação; e, repressivamente, proibindo a valoração de meios de prova recolhidos com aproveitamento duma colaboração imposta ao arguido. III - O princípio nemo tenetur não tem um caráter absoluto, admitindo-se que o direito à não autoincri- minação possa ser legalmente restringido, no próprio processo penal, em determinadas circunstâncias; Julga inconstitucional a interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d) , 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a) , todos do Código de Processo Penal, segundo a qual os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no mesmo processo. Processo: n . º 1043/17. Recorrente: Particular. Relator: Conselheiro Pedro Machete. ACÓRDÃO N.º 298/19 De 15 de maio de 2019
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=