TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

85 acórdão n.º 221/19 cálculo nos rendimentos declarados pelos lesados à administração tributária, ao passo que os sinistrados, não raras vezes, invocam em juízo rendimentos bastantes superiores, sem qualquer correspondência com as respeti- vas declarações fiscais. Trata-se, portanto, de uma área que, em razão da potencial litigiosidade que lhe está associada, requer a apro- vação de regras mais objetivas, que baseiem o cálculo da indemnização, quanto aos rendimentos do lesado, na declaração apresentada para efeitos fiscais. Assim, não obstante o avanço trazido pela Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, que veio fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de proposta razoável para indemnização do dano corporal, torna-se imperioso pôr cobro ao potencial de litigiosidade que aquela situação encerra, procurando, por um lado, contribuir para acentuar a tendencial correspondência entre a remuneração inscrita nas declarações fiscais e a remuneração efetivamente auferida – sinalizando-se também aqui, o reforço de uma ética de cumprimento fiscal –, e, por outro, aumentar as margens de possibilidades de acordo entre segura- doras e segurados, evitando o foco de litigância que surge associado à dissemelhança de valores que estas situações comportam. A introdução desta regra contribui igualmente para que nestas matérias exista mais objetividade e previsibilidade nas decisões dos tribunais, criando também condições para que a produção de prova seja mais fácil e célere e a decisão mais justa». Deste modo, o legislador indica o objetivo precípuo da sua redação: a norma visa reduzir a litigiosi- dade, desincentivando a rejeição pelos segurados das propostas de indemnização apresentadas pelas segu- radoras, eventualmente animados pela expectativa de conseguir demonstrar judicialmente rendimentos reais superiores àqueles que haviam sido fiscalmente declarados. O intuito legislativo estará, por isso, em consonância com o propósito de regularização pronta e diligente dos sinistros ocorridos no âmbito do SORCA (cfr. artigo 31.º). A este primeiro escopo, acresce ainda, sublinha o Governo, um «reforço de uma ética de cumprimento fiscal» – desencorajando reflexamente a fraude nas declarações tributárias –, um aumento da «objetividade e previsibilidade nas decisões dos tribunais» e uma «produção de prova mais fácil e célere». 7. Limitando a admissibilidade de meios probatórios quanto aos rendimentos do lesado – ficando a demonstração destes restrita às declarações fiscais – importa saber se a liberdade de oferecer provas é garantida pelo texto constitucional e, nessa eventualidade, aferir do cumprimento dos limites de que dependem as restrições aos direitos conferidos pela Constituição. Com efeito, discutindo-se a conformi- dade da regra com o texto constitucional, a análise deve principiar pela definição do parâmetro consti- tucional de proteção. Sob a epígrafe de “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva”, a Constituição estabelece um con- junto de garantias que constituem, em si mesmas, direitos fundamentais (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 408), de que se destacam o direito de acesso à justiça e aos tribunais (n.º 1 do artigo 20.º) e o direito a um processo equita- tivo (n.º 4 do artigo 20.º). Sendo certo que o direito de acesso aos tribunais tem uma dimensão prestacional (cometendo ao Estado a criação de um aparelho judiciário e a definição das condições de acesso) ele inclui simultaneamente uma vertente garantística, ao assegurar que ninguém pode ser privado de aceder à justiça seja qual for a sua condição económica (Miguel Teixeira de Sousa, “A jurisprudência constitucional portu- guesa e o direito processual civil”, in XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa , Coimbra Editora, 2008, p. 72). Assim, o Tribunal Constitucional concluiu, nos Acórdãos n. os 364/04 e 301/09, ser-lhe aplicá- vel o regime específico dos direitos, liberdades e garantias, por ter natureza análoga aos enunciados no título II da Constituição (artigo 17.º da Constituição):

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=