TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

82 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL n.º 153/2008, de 6 de agosto, é exclusivamente aplicável a ações de responsabilidade civil cobertas por seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel – e não já a outros domínios da responsabili- dade civil; o seu efeito jurídico principal é a limitação dos poderes de cognição dos tribunais em sede de apuramento do rendimento do lesado para efeitos de determinação da indemnização por danos patrimoniais; a norma visa reduzir a litigiosidade, desincentivando a rejeição pelos segurados das pro- postas de indemnização apresentadas pelas seguradoras, eventualmente animados pela expectativa de conseguir demonstrar judicialmente rendimentos reais superiores àqueles que haviam sido fiscalmente declarados; a que acresce ainda um «reforço de uma ética de cumprimento fiscal» – desencorajando reflexamente a fraude nas declarações tributárias –, um aumento da «objetividade e previsibilidade nas decisões dos tribunais» e uma «produção de prova mais fácil e célere». III - Limitando a admissibilidade de meios probatórios quanto aos rendimentos do lesado – ficando a demonstração destes restrita às declarações fiscais – importa saber se a liberdade de oferecer provas é garantida pelo texto constitucional e, nessa eventualidade, aferir do cumprimento dos limites de que dependem as restrições aos direitos conferidos pela Constituição; no quadro do direito ao processo equitativo, enquanto corolário do direito de acesso aos tribunais e estruturante do princípio do Estado de direito, exige-se a estruturação processual de modo a garantir «o direito de defesa e o direito ao contraditório», identificando-se a densificação constitucional do princípio do contraditório com uma «garantia de participação efetiva das partes em todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que, em qualquer fase do pro- cesso, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão»; no plano da prova, esta garantia projeta-se no direito a apresentar os meios probatórios potencialmente relevantes para apuramento dos factos, sendo indisputado que o direito a apresentar provas está contido na garantia de um processo equitativo e no direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos n. os 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição. IV - A garantia constitucional não implica, porém, que o legislador não possa introduzir restrições ou limi- tações à admissibilidade de meios de prova, reconhecendo-se-lhe uma «ampla margem de liberdade na conformação do processo», simplesmente, a limitação só pode ter-se por constitucionalmente admis- sível mediante o cumprimento cumulativo dos pressupostos de restrição dos direitos fundamentais submetidos ao regime dos direitos, liberdades e garantias; manda a Constituição que a restrição dos direitos fundamentais submetidos ao regime específico dos direitos, liberdades e garantias seja feita por lei ou decreto-lei autorizado, porquanto tal matéria se inclui no domínio de reserva relativa da competência da Assembleia da República [alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição]. V - A norma ora posta em crise foi aditada ao regime do SORCA pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, emanado ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Consti- tuição (competência legislativa genérica do Governo), sem que o Parlamento houvesse habilitado o executivo para regular a matéria, o que basta para concluir pela inconstitucionalidade orgânica da norma sob apreciação, por versar sobre matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, ficando o Tribunal dispensado de apreciar os vícios materiais que foram identificados e analisados em sentido não coincidente nos processos de fiscalização concreta que estão na base do presente processo de fiscalização abstrata.

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