TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
699 acórdão n.º 133/19 entidade que investiga e acusa e, por outro lado, a entidade que julga. Exigência que tem como corolário que o julgador seja chamado a decidir sobre factos em relação aos quais não tinha qualquer pré-compreensão ou pré-juízo. Exige também que a entidade que investiga e acusa o faça livremente, i. e. , que não se encontre de modo algum vinculada a orientações da entidade em última instância responsável, a final, pelo julgamento. Determina, por fim, que a apreciação e decisão do julgador incidam, em exclusivo, sobre o objeto do pro- cesso tal como foi delimitado pela acusação. A significar que é a acusação que fixa o objeto do processo e determina o âmbito da cognição do tribunal e os limites da decisão. O princípio do acusatório não exige, certamente, que se atribua ao Ministério Público o poder de pre- cludir a intervenção do Tribunal nos casos em que, apesar de entender que do processo resultam elementos indiciadores da ilicitude do facto e da culpa do agente, considere, por qualquer razão, que “não se justifica a aplicação de uma sanção”. Nem no processo penal – no seio do qual nasceu e se desenvolveu o princípio do acusatório e no qual ainda hoje as suas exigências se fazem sentir com maior intensidade – tem o Ministério Público tal autonomia, em detrimento das competências jurisdicionais na matéria. É pelo menos assim no contexto de um ordenamento processual – e, de uma forma mais ampla, nos ordenamentos processuais de cariz sancionatório – como o vigente em Portugal. Que consabidamente não assume o modelo do “acusatório puro”, antes obedecendo a uma estrutura basicamente acusatória, integrada por um princípio de investigação, na direção da verdade material. E, por causa disso, não reconhece às partes a disponibilidade sobre o objeto do processo. E não comporta “limitações postas ao tribunal na apreciação jurídica do caso submetido a julgamento” (F. Dias, Direito Processual Penal , 1974, p. 195). 3. Não me parece que possa sustentar-se entendimento diferente face a um caso como o dos autos. Não é seguramente linear nem líquida a categorização que deva adscrever-se à ideia de “não justificação” da sanção por que o Ministério Público se pronuncia. Não se afigura que tal deva levar-se à figura e ao regime normativo da punibilidade, de algum modo ainda pertinente à estrutura e ao “fechamento” da construção dogmática da infração – “a última pedra do edifício do conceito de crime e da respetiva doutrina geral” (F. Dias, Direito Penal. Parte Geral, Tomo I, 2007, p. 678). Tudo pelo contrário parece conjugar-se no sentido de uma identificação – ou, ao menos, de uma aproximação – à categoria da dispensa de pena, já pertinente ao campo das consequências jurídicas da infração e mediadora das exigências político-criminais da prevenção. E a verdade é que no ordenamento português a aplicação da dispensa de pena está reservada ao tribunal. Mesmo antes da entrada do feito em juízo, se ao caso for aplicável a suspensão da pena, só com a concordân- cia do tribunal pode o Ministério Público decidir-se pelo arquivamento do processo (n.º 1 do artigo 280.º do Código de Processo Penal). – Manuel da Costa Andrade.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=