TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

697 acórdão n.º 133/19 De todo o modo, o entendimento de que não houve promoção do Ministério Público nos presentes autos traduz uma visão do princípio do acusatório que não é de aceitar. Do princípio do acusatório conformador do processo penal com consagração no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição, decorre a necessária separação entre quem acusa e quem julga e, consequentemente, a limita- ção de poderes de cognição do tribunal ao objeto do processo delimitado pela acusação. Não decorre, porém, – nem mesmo para o processo penal – a imposição da promoção na acusação da concreta sanção que há de ser aplicada pelo tribunal, como parece resultar da decisão agora proferida Com efeito, a maioria concluiu pela ausência de promoção do Ministério Público que habilitasse a intervenção do Tribunal. Todavia, para assim concluir, fez equivaler a uma não promoção a pronúncia que o Ministério Público emitiu na sequência dos esclarecimentos prestados pelo declarante sobre o conteúdo da declaração apresentada. Na vista que teve nos autos, o Ministério Público afirmou não ver razão para aplicar ao declarante a sanção de “demissão” [sanção prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 64/93]. Como esta era a única sanção abstratamente aplicável no caso, na tese da maioria, a referida pronúncia tra- duziu uma não promoção de qualquer sanção o que inviabilizou o exercício da jurisdição. Ao assim decidir, a maioria ignorou, porém, que o pronunciamento do Ministério Público continha toda uma outra parte em que se afirmava a convicção de que o declarante teria agido de boa fé ao apresentar as suas declarações de inexistência de incompatibilidades e as declarações de património, rendimentos e car- gos sociais, bem como ao procurar corrigir as situações de incompatibilidade com que se viu confrontado. Admitindo o Ministério Público que o declarante terá incorrido em «errada pressuposição de inexistência de [...] incompatibilidade», logo adiantou que «a ter-se verificado, nos autos, como se crê ter acontecido, uma situação de dúvida como a prevista no artigo 112.º, n.º 3, da LTC, a cessação da situação de incompa- tibilidade já se verificou». Foi, portanto, no pressuposto de se considerar verificada uma situação de dúvida fundada sobre a ocorrência de uma situação de incompatibilidade, entretanto sanada, que o Ministério Público entendeu não haver justificação para «a aplicação de qualquer sanção, designadamente a pesada sanção constante do artigo 10.º, n.º 3, alínea b) da Lei 64/93». Ora, a consideração de ser fundada a existência de dúvida (ou erro) do declarante sobre a ocorrência de uma situação de incompatibilidade é competência reservada à jurisdição que, no caso de a situação de incom- patibilidade ser de titular de cargo político, pertence exclusivamente ao Tribunal Constitucional (nos termos do artigo 112.º, n.º 3, da LTC, «O Tribunal, se considerar fundada a existência de dúvida sobre a ocorrência de uma situação de incompatibilidade, limitar-se-á a ordenar a sua cessação, fixando prazo para o efeito»). 4. Cabia, portanto, ao Tribunal Constitucional analisar se a acumulação de determinada atividade ou cargos que esteve na origem dos pedidos de esclarecimento solicitados pelo Ministério Púbico ao declarante integrava incumprimento da lei, e, na afirmativa, apreciar a razoabilidade da justificação apresentada pelo mesmo por ter pressuposto a inexistência de incompatibilidade. O entendimento defendido pelo Ministério Público sobre esta questão não dispensa a apreciação do Tribunal. Esta sim, é uma decorrência do princípio do acusatório. Todavia, o Tribunal não se pronunciou sobre qualquer desses pontos, entendendo que não tinha juris- dição, pois o Ministério Público não promovia a aplicação da sanção da demissão que era a única abstra- tamente aplicável ao caso. Ao omitir esta apreciação e decisão o Tribunal permite, porém, que fique por clarificar se houve incumprimento culposo da lei por parte do declarante, uma clarificação que apenas ao Tribunal Constitucional competia fazer. 5. É verdade que é pressuposto da intervenção do Tribunal no processo previsto no artigo 112.º da LTC uma promoção do Ministério Público. Mas esta promoção não tem de traduzir um pedido de sancio- namento da atuação do declarante como erroneamente é sustentado no acórdão. Basta-se com a identifica- ção de uma situação de incumprimento da lei. Identificada uma situação de incompatibilidade de funções ou cargos, referente a um titular de um cargo político, cabe ao Tribunal Constitucional, no exercício de

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