TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
696 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL impedimentos – não impede o MP de solicitar nova intervenção do Tribunal, para que se esclareçam todas as dúvidas e se decida a final se há ou não impedimento, mesmo que entenda não haver lugar a qualquer sancionamento, já que as decisões finais sobre essas matérias são da competência do Tribunal (artigo 11.º-A da LTC). De modo que, em nosso entender, o processo não poderia ser arquivado por carência de jurisdição, mas apernas por motivos relacionados com o desconhecimento ou imperfeito conhecimento do regime de exclusividade aplicável. – Lino Rodrigues Ribeiro. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Vencida. Os presentes autos respeitam a um processo relativo à declaração de incompatibilidade de um titular de cargo político, instaurado nos termos do artigo 112.º da LTC. Nos termos do n.º 1 desta disposição legal, «recebidas as declarações, o secretário do Tribunal Consti- tucional organiza ou instrui o processo individual do respetivo declarante e abre vista ao Ministério Público, para que este promova a intervenção do Tribunal, se entender que se verifica incumprimento da lei». Foi o que se verificou no presente caso. Todavia, contrariando a prática jurisprudencial anterior, o Tribunal recusou apreciar o processo com fundamento em falta de promoção do Ministério Público e ordenou o arquivamento dos autos. Não posso acompanhar esta decisão. Ela assenta numa fundamentação formal e inovadora que sur- preende, mas não convence. Além disso, deixa indefinido se houve, ou não, uma situação de incumprimento culposo da lei das incompatibilidades por parte de um titular de cargo político que permanece no cargo. 2. Vejamos: Sustenta-se no Acórdão que o processo de verificação de declaração de incompatibilidade de cargo polí- tico tem natureza sancionatória pelo que estaria sujeito ao princípio do acusatório. A estrutura acusatória do presente processo imporia, nessa lógica, que o Tribunal Constitucional apenas poderia intervir sob promoção do Ministério Público, tendo esta por pressuposto a verificação de um incumprimento da lei a que deverá ser associada uma consequência a ser aplicada pelo Tribunal. A aceitação destas premissas não causa especial dificuldade, ainda que não seja de excluir que o processo relativo a declarações de incompatibilidades e impedimentos de titulares de cargos políticos prossiga, para além de fins estritamente sancionatórios, também outros fins, como sejam a prevenção e a reparação de situações de incompatibilidade, bem como a garantia de imparcialidade dos titulares dos cargos em questão na prossecução do interesse público. Não é, porém, na caracterização do tipo de procedimento em causa que reside a minha maior divergên- cia do Acórdão. Antes, na aplicação que a maioria fez dos princípios enunciados e nas consequências da sua decisão que deixa por definir a situação de dúvida que só ao Tribunal competia dirimir. 3. No entender da maioria, não houve promoção de uma sanção pelo Ministério Público, o que impede o exercício da jurisdição pelo Tribunal dada a estrutura acusatória do procedimento de natureza sancionatória. Discordo desta conclusão. Desde logo, e tal como o Tribunal tem sempre entendido, as garantias constitucionais previstas para os ilícitos de natureza criminal não são necessariamente aplicáveis aos ilícitos contraordenacionais ou a outros ilícitos no âmbito de direito sancionatório. O recurso aos princípios do processo penal deve, portanto, ocorrer com cautelas, variando o grau de vinculação, a esses princípios, consoante a natureza dos valores em presença.
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