TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

694 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL considere fundada a possibilidade de o declarante ter atuado com dúvida sobre a ocorrência da situação de incompatibilidade cuja cessação é ordenada (artigo 112.º, n.º 3, da LTC). Ao promover a aplicação da consequência jurídica com que entende dever ser sancionado o (por si) veri- ficado incumprimento da lei, indicando os respetivos pressupostos de facto e de direito, o Ministério Público define e conforma o objeto do processo, o qual, por sua vez, fixa e delimita o âmbito dos poderes de cognição do Tribunal, a que aludem os n. os 2 e 3 do artigo 112.º da LTC, e a extensão do caso julgado. Justamente porque, em tal julgamento, o Tribunal se encontrará tematicamente vinculado pelo objeto do processo, tal como fixado na promoção do Ministério Público, é sobre a mesma que o declarante é previa- mente notificado para se pronunciar, sendo-lhe assegurada, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 112.º da LTC, a faculdade de contraditar tanto os pressupostos de facto e de direito em que assenta o incumprimento da lei que lhe é imputado, como a consequência jurídica para cuja aplicação entendeu o Ministério Público dever desencadear a intervenção do Tribunal, oferecendo, caso entenda, os correspondentes meios de prova. Conforme expressamente resulta da posição que assumiu nos autos, o Ministério Público considerou inverificados os pressupostos de que depende a aplicação ao declarante da sanção prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 64/93 – a única abstratamente aplicável no caso, na medida em que o decla- rante fez, entretanto, cessar a situação de incompatibilidade resultante da cumulação do exercício do man- dato de secretário de estado com o do cargo de sócio-gerente na sociedade B., Lda. Sendo ao Ministério Público que cabe promover o sancionamento da atuação do declarante, a ausên- cia de promoção inviabiliza, por si só, a fixação do thema decidendum e do thema probandum por entidade diversa do próprio Tribunal, o que, em face da estrutura acusatória do processo, obsta ao exercício da juris- dição e, consequentemente, à própria subsistência do procedimento. III – Decisão 10. Pelo exposto, determina-se o arquivamento dos autos. Lisboa, 27 de fevereiro de 2019. – Catarina Sarmento e Castro – Claudio Monteiro – Joana Fernandes Costa – Pedro Machete – José Teles Pereira – Gonçalo de Almeida Ribeiro – João Pedro Caupers – Maria José Ran- gel de Mesquita – Fernando Vaz Ventura – Lino Rodrigues Ribeiro (com voto de vencido) – Maria de Fátima Mata-Mouros (vencida, nos termos da declaração junta) – Maria Clara Sottomayor (vencida, de acordo com a declaração que junto) – Manuel da Costa Andrade (vencido, de acordo com declaração de voto, que junto). DECLARAÇÃO DE VOTO A maioria que obteve vencimento decidiu que o Tribunal está impedido de exercer a jurisdição pelo facto do Ministério Público (MP) não ter promovido o sancionamento do declarante. Não acompanhamos essa decisão por entendermos que o processo de apreciação das declarações de incom- patibilidades e impedimentos de titulares de cargos políticos, tal como está fixado no artigo 112.º da LTC, não tem estrutura acusatória. Na verdade, o conjunto ordenado de atos que os sujeitos processuais devem praticar, bem como as formalidades de cada um deles, não obedecem a um modelo processual orientado pelo princípio acusatório, com as exigências e soluções técnicas que dele se desprendem em relação aos atos dos vários sujeitos processuais, especialmente os do MP (n.º 5 do artigo 32.º da Constituição). A forma do processo previsto no artigo 112.º da LTC compreende a seguinte sequência de atos: (i) apre- sentação no Tribunal Constitucional da declaração de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos (n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 64/93 de 26 de agosto, alterada por último pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro); (ii) organização e instrução de um processo individual pelo secretário do Tribunal; (iii)

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=