TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
683 acórdão n.º 251/19 processo que fez nascer com essa finalidade, comprometem o exercício desse mesmo direito, sem que um com- portamento alternativo lhe seja exigível – rectius , possa por ele ser adotado – no sentido de evitar essa preclusão. Ao fazer nascer, ainda que potencialmente, na própria condição de realização de um direito a causa da sua extinção, à qual o respetivo titular se vê impossibilitado de obstar, o legislador deixa de conferir à retribuição – e ao “remédio” (talvez mais até ao paliativo) para a sua perda – a tutela que lhe era devida nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição. Sendo certo que o sistema do FGS “pressupõe um nexo entre a insolvência e os créditos salariais em dívida” (acórdão do TJUE de 28 de novembro de 2013, cfr. supra 2.3.2.3.), seria o próprio processo judicial com aptidão para estabelecer o referido nexo que constituiria causa da preclusão do direito. Geram-se, por outro lado, diferenciações arbitrárias na concessão (na realização) daquele direito a distintos titulares, subordinado que fica este à duração maior ou menor da fase inicial dos processos de insolvência, em fun- ção de ter sido deduzida oposição, da duração das audiências de julgamento, das diferentes capacidades de resposta dos tribunais, etc. Tudo fatores alheios à vontade do trabalhador-credor e que, por isso mesmo, não suportam a afirmação de existência de algo semelhante a um “domínio do facto” por este, cujo efeito de condicionamento do respetivo direito não encontra justificação na tutela de qualquer outro valor que possamos considerar relevante no confronto com a necessidade de tutela da retribuição que se verifica no contexto apontado. A este respeito, não releva, propriamente, de forma direta, a qualificação do prazo como de caducidade ou de prescrição – questão que, na ausência de uma opção legal expressa, se prefigura como de âmbito fundamentalmente doutrinário que, em todo o caso, nos aparece aqui ligada a uma opção interpretativa do direito infraconstitucional –, relevando antes a circunstância de, no contexto descrito, a contagem de tal prazo ocorrer sem qualquer sus- pensão ou interrupção, gerando um sinal – rectius , potenciando um efeito – de valor contrário ao próprio direito. Note-se, todavia – sublinhando o sentido atuante que a qualificação jurídica do prazo aqui acabou por assumir –, que o Fundo, na fundamentação da respetiva posição de indeferimento da pretensão dos ora recorridos (cfr. item 1.2.1. supra ) – e sublinha-se, pois, que foi nesse quadro que a decisão recorrida, como não podia deixar de ser, se forjou –, qualificou expressamente o prazo em causa no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS como de caducidade, referindo-lhe expressamente a circunstância, que é própria do regime da caducidade nos termos do artigo 328.º do CC, de só comportar suspensão ou interrupção mediante previsão legal, no caso inexistente. E, de facto, é neste contexto que se afirma que, “[e]m matéria de contagem do prazo de caducidade[,] aplicam-se, em princípio, tal como na prescrição, as regras gerais, com uma importante diferença. Na caducidade vale muito mais plenamente o princípio segundo o qual o tempo se conta ininterruptamente”, já que, “[…] como resulta do artigo 328.º do CC, ‘o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine’. Assim, se a lei, em cada caso concreto, não admitir, expressamente, a suspensão e a interrupção do prazo de caducidade (ou algum destes institutos), o prazo corre sempre sem intermitências de qualquer ordem” (Luís A. Carvalho Fernan- des, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 4.ª edição, Lisboa, 2007, p. 703). Ora, tendo sido a invocação, por parte do FGS, desta característica do regime da caducidade que conduziu à construção do indeferimento (por inexistir previsão legal a permitir a suspensão ou a interrupção do decurso do prazo), não poderia a decisão recorrida, ao sindicar esse indeferimento, deixar de pressupor essa interpretação e construir em função dela a questão de incons- titucionalidade que constituiu a respetiva ratio decidendi . Porém, não é irrelevante a pouca clareza do regime legal, espelhada na norma em causa, considerada em si mesma ou sistematicamente inserida no diploma que a contém. O elemento de incerteza deste regime (evidenciado à saciedade, nestes autos, pelas posições assumidas na decisão recorrida, nas alegações e contra-alegações de recurso e no item 2.2., supra ) compromete seriamente a efetividade da tutela que corresponde ao mecanismo do FGS, apresentando-se o complexo normativo do NRFGS, ao gerar estas interpretações díspares, com uma consistência pouco definida – para não dizer insuportavelmente ambígua –, cuja interpretação muito dificilmente assumirá um sentido minimamente claro, gerador de segurança nos destinatários beneficiários do seu âmbito de proteção. Isto ao ponto d[e] estes não disporem, consistentemente, da possibilidade de, agindo com normal diligência, anteverem com suficiente segurança o comportamento que devem adotar para formular atempadamente a sua pretensão junto
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