TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

655 acórdão n.º 216/19 n.º 416/03. Porém, discutia-se, nesse aresto, um critério normativo extraído de diferente preceito, relativo ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido. A norma sindicada correspondia à extraída do n.º 4 do artigo 141.º do Código de Processo Penal, na redação originária (nesse número, não alterada pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto), interpretada no sentido de que, no decurso do interrogatório de arguido detido, a «exposição dos factos que lhe são imputados» poderia consistir na formulação de perguntas gerais e abs­ tratas, sem concretização das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram os factos que inte­ gram a prática desses crimes, nem comunicação ao arguido dos elementos de prova que sustentam aquelas imputações e na ausência da apreciação em concreto da existência de inconveniente grave naquela concreti- zação e na comunicação dos específicos elementos probatórios em causa. A específica dimensão da não comunicação ao arguido dos elementos de prova determinantes das impu- tações foi, nesse contexto, analisada na perspetiva da audição de arguido detido, com o objetivo de apreciação judicial para restituição à liberdade ou imposição de medida de coação adequada, sendo, nesse âmbito, sina- lizada a necessidade de compatibilizar a impossibilidade de acesso irrestrito do arguido ao processo em fase de Inquérito, face ao segredo de justiça interno (nos termos do regime vigente na altura), e os seus direitos de defesa, minorando, na medida necessária à salvaguarda de tais direitos, a desigualdade inicial de que par- tiriam o Ministério Público e o arguido quanto ao conhecimento dos fatos investigados e da prova recolhida. Assim, a não referência dos meios de prova em que se baseia a comunicação de novos factos indiciados, integrantes da categoria legal de alteração não substancial, traduz-se apenas numa não especificação dos mesmos, de entre todos os que, tendo sido produzidos ou sendo valoráveis em julgamento, se encontram na totalidade identificados. Nesta perspetiva, a omissão de menção especificada não se reflete, em bom rigor, e ao contrário do que sustenta o recorrente, numa diminuição das garantias de defesa face ao que goza o arguido perante a notifi- cação da acusação. Desde logo porque, nos termos do artigo 283.º, também a peça de acusação não carece de relacionar especificadamente os factos imputados e os meios de prova, bastando-se com a indicação em rol das testemunhas a ouvir e a indicação de outros meios de prova, sem especificação dos concretos factos, isoladamente considerados ou agrupados segundo uma qualquer classificação, a que cada fonte probatória se reporta. O mesmo acontece com o despacho de pronúncia, ao qual são aplicáveis, nessa parte, os requisitos da acusação (artigo 308.º, n.º 2, do CPP). Mais: a comunicação a que alude o n.º 1 do artigo 358.º do CPP não incorpora um juízo, positivo ou negativo, sobre a comprovação dos factos a que se refere. Apenas exterioriza que, no estado da prova pro- duzida em julgamento, o princípio da descoberta da verdade obriga a que o tribunal se debruce sobre uma realidade não comportada na acusação ou na pronúncia, podendo tais factos vir a ser dados como provados ou não, em função da prova que for ulteriormente produzida ou examinada. Tratam-se, pois, de factos mera- mente sinalizados aos sujeitos processuais, de índole precária e indiciária, porque ainda sujeitos a eventual contraprova e ao crivo da discussão contraditória em audiência. A valoração da prova produzida e a decisão sobre a verdade dos factos imputados (os factos que integram a acusação ou pronúncia, assim como os novos factos comunicados em cumprimento do n.º 1 do artigo 358.º do CPP), ocorre apenas com a emissão da sentença ou acórdão, juízo de facto sobre o qual recai uma exigência de fundamentação especificada e tanto quanto possível completa, ainda que concisa, das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (artigo 374.º, n.º 2, do CPP), com cominação de nulidade do ato judicativo [artigo 379.º, n.º 1, alínea a) , do CPP]. Desta forma, tendo em conta, por um lado, que, não obstante não existir uma indicação especificada dos meios de prova relevantes para o juízo de indiciação conducente à comunicação de factos prevista no artigo 358.º, n.º 1, do CPP, se encontra assegurada a identificação da totalidade dos meios de prova, produzi- dos ou valoráveis em fase de julgamento, e, por outro lado, que os factos comunicados são apenas indiciados, conclui-se que a interpretação normativa em sindicância não fere o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido.

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