TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
654 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Porque são muito diferentes a extensão e intensidade com que esses princípios podem ser afetados, nas duas situações de alteração temática do processo configuradas nos artigos 358.º e 359.º, bem diferentes são as exigências da sua admissibilidade. Em síntese, poderemos dizer que a diferença de regimes, estabelecida na lei, é necessariamente determinada pela medida da suscetibilidade de afetação daqueles princípios com relevo constitucional. Tratando-se de alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia – a que aqui nos interessa, face ao critério normativo em apreciação – que tenha relevo para a decisão da causa, nela se incluindo a mera alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, permite o artigo 358.º do CPP que essa alteração temática do processo possa ser tida em conta pelo tribunal do jul- gamento no apuramento e na definição da responsabilidade criminal do arguido. No entanto, por respeito devido aos referidos princípios, o preceito impõe que se comunique ao arguido essa alteração e que se lhe conceda o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. Esta exigência ou necessidade de comunicação surge, essencialmente, por dois motivos: desde logo por- que, vigorando o princípio do acusatório, qualquer alteração à acusação deve ser comunicada ao arguido, no sentido de esclarecê-lo que, para além dos factos que já constam da acusação, o tribunal apreciará ainda mais os que se traduzirem em tal alteração; em segundo lugar porque vigora também o princípio do contraditório, segundo o qual assiste ao arguido o direito de contestar e impugnar não só os factos iniciais já conhecidos mas também quaisquer outros que surjam e que o tribunal pretenda levar em consideração, de modo a que o arguido não seja condenado por factos dos quais não se defendeu, por não estar alertado para a possibilidade de lhe serem imputados, ou seja, de modo a evitar que seja sujeito de uma decisão surpresa. A comunicação da alteração temática indiciada e a concessão do tempo necessário para a preparação da defesa – dispensada por razões evidentes de desnecessidade quando a alteração derive de posição tomada pela própria defesa – apresentam-se como modos que procuram dar cabal satisfação às exigências postuladas pelos princípios examinados. 13. Como já foi dito, no entendimento do recorrente, para que a sentença não esteja ferida de invali- dade, o tribunal teria de informar e explicitar, no âmbito da comunicação prevista em tal preceito, efetuada no decurso da audiência de julgamento, os meios de prova indiciária em que se fundamenta a alteração não substancial dos factos. Apreciando a dimensão normativa cuja constitucionalidade se sindica, o tribunal a quo, apreciando o vício de nulidade da decisão, invocado pelo recorrente, considerou que a sentença não padecia de nulidade, ainda que a comunicação haja sido feita sem a comunicação especificada – que, apoiando-se na jurisprudên- cia do acórdão de 6 de novembro de 2010, do Tribunal da Relação de Lisboa, se basta com «uma indicação genérica de terem resultado da discussão da causa», já que «a indicação de quais as provas em que se baseiam os novos factos há-de constar da motivação probatória da sentença» – e havendo sido proporcionada ao arguido a oportunidade de se defender, tendo ficado plenamente garantido o contraditório e asseguradas as garantias de defesa, e não se impondo a indicação dos meios de prova em que o tribunal se baseou para perspetivar uma alteração dessa natureza. Sustentou, ainda, o juiz a quo que a «a comunicação da alteração não tem, propriamente, um conteúdo decisório, no sentido de pronúncia definitiva sobre aquele “pedaço de vida” que constitui o objeto do processo, alteração que até pode acabar por não se concretizar». Tendo em conta a explicitação, a que procedemos, sobre o sentido jurídico-constitucional dos princí- pios do acusatório, do contraditório e da plenitude das garantias de defesa, e sobre a suscetibilidade de uma alteração não substancial dos factos afetar tais princípios, cumpre agora determo-nos sobre a questão especí- fica da omissão de referência aos elementos de prova indiciária em que se fundamenta a comunicação de uma alteração não substancial dos factos imputados ao arguido, efetuada no decurso da audiência de julgamento, vindo tais factos a ser inscritos, como fundamento, no julgamento do mérito da causa penal. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre a importância da comunicação dos elementos probatórios em que se alicerçou a imputação dos factos ao arguido, no âmbito do Acórdão
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