TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
653 acórdão n.º 216/19 acusação» (vide Acórdão n.º 54/87, disponível e m www.tribunalconstitucional, sí tio da internet onde podem ser encontrados todos os arestos deste Tribunal doravante citados), sendo um dos significados jurídico- -constitucionais do princípio do contraditório o direito do arguido de se pronunciar e contraditar todos os elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Cons- tituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição revista, p. 523). Assim, nenhuma prova pode ser critica- mente apreciada e valorada sem que seja assegurada uma ampla e efetiva possibilidade de ser contestada ou valorada pelo sujeito processual contra o qual é dirigida. Trata-se, no fundo, da projeção do “direito de ser ouvido”, enquanto direito de dispor de uma efetiva oportunidade processual para tomar uma posição sobre aquilo que afeta o sujeito processual. Compreende-se que assim seja uma vez que, em princípio, a faculdade de alteração da incriminação constante da acusação, se operada sem ao arguido se dar ensejo de a conhecer e de organizar a sua defesa em função da mesma, pode-lhe causar grave prejuízo (neste sentido, vide Acórdão n.º 330/97). Deste modo, entre as garantias que a Lei Fundamental confere ao arguido, compreende-se o direito do mesmo a poder pronunciar-se sobre as questões que, direta ou indiretamente, se repercutem na pretensão punitiva do Estado e da qual ele é alvo. 11. Do princípio da acusação (segundo o qual é esta que define e fixa, perante o juiz, o objeto do processo), decorre logicamente um outro princípio, corolário do primeiro – o da identidade do objeto do processo, que representa a ideia de que o objeto da acusação se deve manter idêntico, desde aquela, até à sentença final. Com efeito, o processo penal de estrutura essencialmente acusatória, como o processo penal português, implica necessariamente uma relação de correspondência entre a acusação e a decisão final em sede de julga- mento, sendo que neste sentido se pode afirmar que a «definição do thema decidendum na acusação é uma consequência da estrutura acusatória do processo» (vide Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal. Vol. III, 3.ª edição revista e atualizada, Lisboa: Verbo, 2009, p. 267). 12. Dito isto, importa notar que o recorrente não pretende colocar em crise a conformidade constitu- cional dos institutos da comunicação de alteração substancial e não substancial dos factos, ou a ampliação da cognição do tribunal neles comportada, desde que seja facultada ao arguido, quanto a ela, oportunidade de defesa (sobre a matéria, o Tribunal tem firmado orientação jurisprudencial estável, no sentido da conformi- dade constitucional de diversas vertentes normativas do regime, de que são exemplo os Acórdãos n. os 279/95, 130/98, 674/99 e 463/04). Questiona, sim, na espécie, que os factos comunicados nesse âmbito não sejam referidos a concretos meios de prova, por tal omissão impedir, na sua ótica, que percecione todo o alcance e sentido da alteração ao thema probandi e, por consequência, que lhe sejam verdadeiramente proporcionadas as condições necessárias a que organize a sua defesa quanto à realidade inovatoriamente trazida ao objeto do processo pelo tribunal de julgamento. Efetivamente, a disciplina constante dos artigos 358.º e 359.º do CPP dirige-se a expressar os limites da alteração temática do processo penal, constitucionalmente admissíveis à face dos princípios do assegura- mento de todas as garantias de defesa, da estrutura acusatória do processo e do contraditório, distinguindo as situações de alteração não substancial dos factos e as situações de alteração substancial, e, ainda, enunciando os instrumentos jurídicos aptos a concretizar a normatividade constitucional decorrente de tais princípios, em cada uma dessas diferentes situações. Os preceitos referidos surgem, então, como disposições referentes ao estatuto substantivo do arguido em processo penal, na fase de julgamento, demandando o enquadramento da situação, em um ou em outro desses preceitos, por parte do tribunal, a satisfação de diferentes exigências cuja configuração está informada diretamente pela axiologia transportada pelos analisados princípios constitucionais e o exercício de diferentes direitos de defesa.
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