TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

652 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Em suma, tendo o recorrente suscitado previamente, perante o tribunal a quo, na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação (designadamente na conclusão III), a questão de constitucionalidade envolvendo o critério normativo que veio a ser adotado, como ratio decidendi do acórdão recorrido, e coin- cidindo o mesmo com o objeto do presente recurso, estão reunidos os pressupostos de conhecimento do mérito. De todo o modo, para melhor compreensão da dimensão normativa sindicada e da sua inscrição, como vimos, no quadro problemático dos vícios geradores de nulidade do acórdão/sentença, importa deixar expresso que a interpretação normativa questionada decorre da conjugação do preceituado nos artigos 358.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea b) , ambos do CPP. B. Do conhecimento do mérito do recurso 8. De acordo com o explanado supra , a questão de constitucionalidade a decidir nos presentes autos, apresentada a propósito do conhecimento de nulidades, e nesse contexto devendo ser entendida no presente caso, reporta-se à interpretação normativa extraída do n.º 1 do artigo 358.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, entendidos no sentido de que a comunicação de alteração não substancial dos factos, efetuada no decurso da audiência de julgamento, não carece de ser acompanhada de referência especificada aos meios de prova indiciária em que se fundamenta. Esse sentido normativo, no entendimento do recorrente, entraria em colisão com o princípio do acusa- tório, bem como com o princípio do contraditório, previstos nos artigos 32.º, n. os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa. 9. Relativamente aos parâmetros de constitucionalidade invocados, estabelece a Constituição da Repú- blica Portuguesa, no seu artigo 32.º, entre os direitos, liberdades e garantias pessoais, as garantias de processo criminal. Nos termos do preceituado no referido normativo, «o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso» (n.º 1), sendo que o mesmo «processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório» (n.º 5). A propósito do princípio do acusatório, dizem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira que o mesmo «é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal» e «uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial», significando essencialmente que «só se pode ser julgado por um crime prece- dendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento» ( Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, nota XI ao artigo 32.º, p. 522). Relativamente ao princípio do contraditório, assinalam os mesmos Autores que tal princípio implica o dever «de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão», bem como o «direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afetados pela decisão», e ainda o «direito do arguido de intervir no processo e de se pronunciar e con- traditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo», sendo certo que «o princípio abrange todos os atos suscetíveis de afetar a sua posição» ( ibidem , nota XII ao artigo 32.º, pp. 522 e 523). Os princípios do acusatório e do contraditório, enquanto princípios estruturantes do processo penal, movem-se necessariamente no quadro de um sistema processual que deve também assegurar todas as garan- tias de defesa, ou seja, no quadro de um processo penal justo e equitativo. 10. Como tem sido enfatizado pelas doutrina e jurisprudência constitucionais, as «garantias de defesa não podem deixar de incluir a possibilidade de contrariar ou contestar todos os elementos carreados pela

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=