TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
641 acórdão n.º 208/19 trabalhador quanto empregador se possam livremente desvincular de um compromisso que, no seu entendimento, se não antevê viável. Há, no entanto, neste contexto, um problema que não pode deixar de ser considerado. Na verdade, uma das questões que mais se discute a propósito da figura do período experimental é a de saber se, no seu escopo, se inscreve verdadeiramente uma ideia simétrica de “bilateralidade”. Disse-se atrás que o interesse na existência da “prova”, ou da experiência, é de ambas as partes no contrato: o trabalhador tem interesse em conhecer o ambiente em que trabalha, e em prognosticar a viabilidade de continuação de uma relação prolongada no tempo; o empregador, por seu turno, tem interesse em conhecer as aptidões e características pessoais e técnicas do trabalha- dor, a fim de antever, também ele, as virtualidades de uma vinculação que se prolongará no tempo. Mas é evidente que não tendo, no nosso direito, ambas as partes faculdades idênticas quanto à possibilidade de, por vontade sua, fazer cessar o vínculo uma vez passado o período da experiência – o trabalhador pode fazê-lo a qualquer momento mediante aviso prévio e independentemente de justa causa (artigo 447.º do Código do Trabalho; artigo 400.º na versão aprovada pelo Decreto), enquanto o empregador só pode fazê-lo nos termos regulados pelos artigos 396.º a 439.º do Código (artigos 338.º a 392.º na nova redação) –, a existência do período experimental tornar‑se‑á, em si mesma, especialmente interessante para este último. Nesta medida, é sustentável que se alegue que qualquer aumento de duração desse mesmo período se traduzirá em benefício para a entidade patronal e em correspondente “compressão” dos interesses do trabalhador. Assim sendo, parece claro (e assim o diz, também, o Acórdão n.º 64/91) que tal período não pode deixar de ser limitado por lei. Por razões de defesa dos interesses do trabalhador – e por razões decorrentes do princípio cons- titucional da não precariedade injustificada do emprego – a duração da “experiência” tem que ter, evidentemente, um limite máximo fixado pelo legislador. Este terá, assim e em princípio, a liberdade de conformar o quantum da «prova», mas não a liberdade de deixar de o conformar. Tal conclusão não resolve, porém, um outro problema, que é o de saber se semelhante liberdade de confor- mação legislativa – referente apenas à escolha do tempo concreto de duração do período experimental – não deve, também ela, ser limitada. E a resposta, já dada pelo Acórdão n.º 64/91, parece ser inquestionavelmente positiva. Conforme então se disse, a duração do período experimental “não pode ser fixada em período de tal forma prolon- gado que resulte desvirtuado o princípio da segurança no emprego, como sucederá, indiscutivelmente, nos casos em que a duração se estendesse por tempo tão longo (dois ou três anos, por exemplo) que se teria de considerar estar-se perante uma fixação fraudulenta, forma encapotada de permitir o despedimento sem justa causa”. Assim postas as coisas, não parece que restem dúvidas quanto à potencial natureza restritiva (e restritiva face ao direito, liberdade e garantia consagrado no artigo 53.º da Constituição) de medidas legais que alarguem o tempo de duração do período experimental. Com efeito, se se entender por restrição a um direito toda a “ação ou omissão estatal que, eliminando, reduzindo, comprimindo ou dificultando as possibilidades de acesso ao bem jusfunda- mentalmente protegido […] ou enfraquecendo os deveres e obrigações, em sentido lato, que dele resultem para o Estado, afeta desvantajosamente o conteúdo de um direito fundamental” (Jorge Reis Novais, As Restrições aos Direi- tos Fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição , Coimbra, 2003, p. 247), pode bem sustentar-se, por tudo quanto já se disse, que as referidas medidas dificultam o acesso ao bem jusfundamentalmente protegido (a segurança no emprego) e enfraquecem os deveres que dele resultam para o Estado». Neste âmbito, acompanha-se a fundamentação deste aresto no sentido de concluir que se pode consi- derar a consagração de um período experimental para o contrato de trabalho como uma intervenção legisla- tiva restritiva face a um direito fundamental – o direito à segurança no emprego, previsto no artigo 53.º da Constituição. Assim sendo, é necessário apreciar se esta consagração deve ser considerada uma restrição não constitu- cionalmente admissível por violar os limites previstos no artigo 18.º da Constituição, mais especificamente, o princípio da proporcionalidade, consagrado no seu n.º 2. É neste contexto, que importa aferir se é conforme ao princípio da proporcionalidade a norma que permite a aposição de um período experimental de 180 dias no contrato individual de trabalho, por tempo indeterminado, para desempenhar funções de enfermeiro,
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