TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
638 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Parte desta fundamentação é aplicável ao caso presente. Desde logo, estamos a falar de trabalhadores que estão sujeitos a tipos de vínculos distintos. O regime jurídico aplicável a um contrato de trabalho em funções públicas, regulado pela da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho), é objetiva e substantivamente distinto do regime aplicável a um contrato de trabalho privado, regulado pelo Código do Trabalho – incidindo essas diferenças, nomeadamente, sobre a exclusividade das funções (artigo 20.º e 22.º da LGTFP), a avaliação do desempenho (artigos 89.º e ss. da LGTFP), ou a mobilidade (artigos 92.º e seguintes da LGTFP). No caso em presença, estamos perante uma carreira especial – a carreira de enfermagem –, verificando-se a existência de um regime especial face à LGTFP, com regras específicas para estes trabalhadores em funções públicas. O Código do Trabalho tem uma lógica global distinta, assentando, em muito maior medida, na contratação coletiva entre associações sindicais e empregadores. Atendendo especificamente aos diplomas legais em causa, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de setembro, justifica-se a criação de uma carreira especial de enfermagem no âmbito do regime aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas. Por seu turno, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22 de setembro, refere que a referida carreira especial seria «um patamar de referência para as carreiras dos profissionais de saúde a exercer em entidades públicas empresariais no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS)», pelo que se prosseguia «a intenção de se replicar o modelo no sector empresarial do Estado», sem que, no entanto, se condicionasse «a aplicação do Código do Trabalho nem a liberdade de negociação reconhecida às partes no âmbito da contratação coletiva». Pretendia, assim, o legislador «garantir que os enfermeiros das instituições de saúde no âmbito do SNS [pudessem] dispor de um percurso comum de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica, o que possibilita também a mobilidade inte- rinstitucional, com harmonização de direitos e deveres, sem subverter a autonomia de gestão do sector empresarial do Estado». Daqui pode retirar-se que o objetivo do legislador foi a aproximação dos regimes, mas com a salvaguarda de alguns aspetos diferenciadores no que diz respeito ao regime do contrato de traba- lho e com a autonomia das empresas públicas em causa. 13. Para além das diferenças globais de regime aplicável aos dois vínculos – que permitem entendem que estamos perante situações genericamente distintas –, é de referir especialmente dois aspetos dos enqua- dramentos legais que são dissemelhantes: a avaliação no período experimental (artigo 46.º da LGTFP) e o regime de recrutamento. Nos termos do artigo 46.º da LGTFP, durante o período experimental, o trabalhador em funções públi- cas é acompanhado por um júri, especialmente constituído para o efeito, que procede, no final, à sua ava- liação. Essa avaliação final toma em consideração os elementos que o júri tenha recolhido, o relatório que o trabalhador deve apresentar e os resultados das ações de formação frequentadas. O trabalhador deve ser avaliado numa escala de 0 a 20 valores, considerando-se concluído com sucesso o período experimental quando o tenha obtido uma avaliação não inferior a 14 valores (no presente caso, uma vez que a carreira especial de enfermagem é classificada como de grau 3 de complexidade funcional, nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 248/2009). Por seu turno, o Código do Trabalho não contém regulação da avaliação do período experimental, prevendo-se que durante esse, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização (artigo 114.º, n.º 1, do Código do Trabalho). Essa diferença de regimes legais permite, desde logo, distinguir os dois períodos experimentais já que o trabalhador em funções públicas será submetido a uma avaliação exigente e especificamente regulada, devendo obter uma pontuação elevada, algo que não se encontra legalmente previsto para os restantes traba- lhadores. Esse carácter distinto do período experimental do contrato de trabalho em funções públicas pode justificar a opção do legislador por consagrar neste caso uma duração diferente, mais curta, tendo em conta o escrutínio a que o trabalhador é sujeito.
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