TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
637 acórdão n.º 208/19 Desde logo, o regime estatutário dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas con- tém regras – a título meramente exemplificativo, as atinentes a exclusividade das funções (artigo 20.º e 22.º da LGTFP), recrutamento (artigos 33.º e ss. da LGTFP e, no caso da carreira especial de enfermagem, artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de setembro, regras que não têm paralelo, designadamente, com o que resulta dos artigos 11.º e 12.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22 de setembro), avaliação no período experimen- tal (artigo 46.º da LGTFP), avaliação do desempenho (artigos 89.º e ss. da LGTFP), mobilidade (artigos 92.º e ss. da LGTFP), alterações decorrentes de procedimentos de reorganização de serviços e racionalização de efetivos geradores de valorização profissional de trabalhadores (Lei n.º 25/2017, de 30 de maio – v., especialmente, o seu artigo 36.º) – que divergem substancialmente das previstas no Código do Trabalho, compondo um regime próprio e diferenciado. Acresce que as carreiras especiais dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas estão sujeitas a regras próprias (v. artigos 84.º e ss. da LGTFP). Por outro lado, a LGTFP introduz fortes limitações aos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, prevendo, designadamente, que estes não podem afastar “[…] as normas legais em matéria de remunerações […]”, salvo em caso de previsão expressa (artigo 144.º, n.º 1, da LGTFP) e estabelecendo um elenco taxativo de matérias que podem ser contempladas no instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (artigo 355.º da LGTFP). O regime de especial vinculação dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas contrasta evi- dentemente com o dos trabalhadores ao abrigo de contrato individual de trabalho, relativamente aos quais impera a liberdade contratual e a álea do contrato, com a ressalva das normas imperativas, e um espaço mais generoso de regulamentação coletiva. 2.6.2. Face ao que se foi afirmando, torna-se evidente que a pretensão dos recorrentes não pode ser acolhida. Decidir no sentido da procedência do recurso implicaria ignorar as assinaláveis diferenças de regime, atrás apontadas, que separam as duas categorias de trabalhadores em causa, com o que isso traz de desigualdade (das condições) do seu trabalho. Afirmar um direito à igualdade do salário, nestas circunstâncias significaria, ademais, obrigar a uma forte desar- monia sistémica, pois o legislador deixaria de poder dotar o setor empresarial, na área da saúde, de instrumentos de contratação jurídico-privados que visam proporcionar uma maior flexibilidade na gestão dos recursos humanos, sendo legítimo prosseguir o interesse da maior eficiência e racionalização dos recursos disponíveis. Negar ao legis- lador margem de conformação nesta matéria não apresentaria, como vimos, fundamento bastante. Pelo contrário: o regime estatutário dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas é coerente com o estabeleci- mento do regime remuneratório em diploma próprio, já que se trata de uma carreira especial, que importa regular em termos uniformes; ao passo que o regime dos trabalhadores com contrato individual de trabalho é coerente com a afirmação da liberdade contratual e a definição dos patamares remuneratórios mínimos em instrumento de regulamentação coletiva. Sistemicamente contraditório seria, pelo contrário, obrigar a que estes últimos acompa- nhassem sempre e automaticamente o regime remuneratório dos primeiros, privando o setor empresarial de um instrumento gestionário importante. Complementando estas razões, deve notar-se que o regime remuneratório dos enfermeiros com contrato indi- vidual de trabalho se revelará mais ou menos favorável conforme os respetivos profissionais tenham maior ou menor sucesso na negociação coletiva, não sendo de excluir que – em cenários de maior força na negociação coletiva e/ou necessidade do lado da procura – a dita “desigualdade” se resolva a seu favor, na comparação com os enfermeiros limitados pelo regime estatutário. Quando e se assim for, também essa diferença será justificada pela esfera de liberdade contratual em que se movem. 2.6.3. Em suma, os Autores: (i) não aportaram ao processo elementos que permitissem a comparação entre a quantidade, natureza e qualidade do trabalho por si prestado e a quantidade, natureza e qualidade do trabalho prestado por enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas; e, por outro lado, (ii) não apresentaram razões que permitissem concluir que a mera natureza do vínculo impusesse igual tratamento ao abrigo do princípio da igualdade salarial – pelo contrário, as razões atendíveis são de sinal oposto».
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=