TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
63 acórdão n.º 134/19 pudessem contar – justamente, por, como o legislador esclareceu já no artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, deverem contar com mutações do regime da aposentação (em sentido favorável ou desfavorável, embora, evidente- mente, sem poderem adivinhar o sentido preciso dessas mutações) até à data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação.» Não se encontrando preenchido o primeiro pressuposto ou requisito da tutela da confiança – uma mutação da ordem jurídica com a qual os destinatários não possam razoavelmente contar ou um comporta- mento estatal suscetível de gerar nos particulares expectativas de continuidade – nenhuma censura constitu- cional pode, com tal fundamento, ser dirigida à norma sindicada. 3. Não custa admitir a possibilidade de que muitos interessados que requerem a aposentação voluntá- ria, uma vez reunidos os respetivos pressupostos, o façam na suposição de que o regime aplicável é o que se extrai da legislação em vigor nesse momento. Só que as «expectativas de continuidade» que merecem tutela constitucional não correspondem a uma regularidade psicológica. Na verdade, o facto empírico é não apenas insuficiente como inteiramente dispensável − e não pode ser verificado num processo de fiscalização abstrata da constitucionalidade, a não ser que se presuma a infalibilidade cognitiva de uma suposta empatia dos juízes constitucionais com os destinatários da lei. A situação de confiança merecedora de tutela constitucional é aquela que resulta objetivamente do com- portamento legislativo, o mesmo é dizer, as expectativas que os destinatários da lei podem formar tendo em conta o conjunto dos dados legais. E estes, no caso vertente, considerado o teor do n.º 1 do artigo 43.º do EA, apontam inequivocamente no sentido de que os interessados devem contar com a possibilidade de mutações de regime no período compreendido entre a apresentação do requerimento de aposentação e a prolação do des- pacho que reconhece o direito do requerente, nos exatos termos em que o afirmaram os Acórdãos n. os 580/99 e 302/06. 4. Sucede que o Estado de direito não está apenas vinculado a acautelar a confiança que inspirou nos cidadãos. Está também vinculado a criar as condições possíveis e indispensáveis para que estes possam pla- near as suas vidas e realizar investimentos em segurança – ou seja, o seu comportamento, sobretudo nas vestes de legislador, deve reduzir a complexidade da vida social e estabilizar as expectativas dos destinatários da ordem jurídica. Trata-se aqui da vertente prospetiva da segurança jurídica, aflorada em institutos consolida- dos do direito constitucional, como a tipicidade dos crimes e das penas e a proibição do abuso de conceitos indeterminados na legislação penal e fiscal. Segurança, nesta vertente prospetiva, significa previsibilidade do comportamento do poder público e determinabilidade das consequências jurídicas das decisões dos seus destinatários. Um Estado cujo poder executivo não se contém nos limites da legalidade; cujas leis são secretas, obs- curas e vagas; cujos tribunais não são independentes; ou cujos regimes legais admitem exceções invocáveis ad nutum ; um tal Estado, como é fácil de reconhecer, não inspira confiança alguma nos cidadãos – e, por essa razão, não pode dizer-se que lese uma confiança que objetivamente é incapaz de gerar –, mas nem por isso deixa de destruir a segurança jurídica. De facto, o Estado de direito está simultaneamente vinculado a salvaguardar a confiança que o seu comportamento inspirou nos cidadãos (vertente retrospetiva) e a inspirar confiança na previsibilidade do seu comportamento (vertente prospetiva). As duas dimensões procedem da mesma raiz axiológica e complementam-se no plano dogmático. À luz desta vertente prospetiva da segurança jurídica, que se distingue da proteção da confiança, é evi- dente que a solução legal escrutinada nos presentes autos é constitucionalmente inadmissível. Nas palavras do Acórdão n.º 615/07, que devem ser lidas mutatis mutandis : «[a] aplicação de um ou de outro regime jurídico baseia-se na álea administrativa de os serviços enviarem o processo de aposentação à Caixa Geral de Aposentações, mais cedo ou mais tarde, ficando assim dependente do acaso e não de qualquer critério obje- tivo, o que viola o princípio do Estado de direito (artigo 2.º CRP)». – Gonçalo de Almeida Ribeiro.
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