TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
618 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL X) Ora, “a prestação administrativa de um serviço público, como contrapartida da taxa, não pode constituir um dever cuja realização seja deixada ao puro alvedrio das entidades públicas. Sob pena de se descaracterizar o conceito de taxa, enfraquecendo o sinalagma e, nele, a exigibilidade, a conexão específica entre as utilidades proporcionadas e o particular onerado com ela, exige a vinculação a uma prestação concreta e não uma mera presunção da existência de eventual prestação” (vide neste sentido, declaração de voto do Exmo. Sr. Juiz Con- selheiro Lino Rodrigues Ribeiro, in Acórdão do TC n.º 316/14). XI) Ademais, de acordo com a matéria de facto assente em primeira instância, ficou demonstrada a não prestação de qualquer serviço concreto por parte do Município de Estarreja, não podendo afirmar-se existir um índice ou presunção razoável que permita identificar a ocorrência da prestação de um serviço público. XII) Em face do supra exposto, deverá concluir-se que o tributo em causa, previsto nos pontos 7.1.2 e 7.2.2 do Regulamento Municipal da Tabela de Taxas Licenças e outras Receitas Municipais do Município de Estarreja, não poderá ser qualificado como taxa, sendo ao invés um verdadeiro imposto. XIII) Nesta medida, a mencionada norma regulamentar, constante dos pontos 7.1.2 e 7.2.2 do Regulamento Municipal da Tabela de Taxas Licenças e outras Receitas Municipais do Município de Estarreja, tal como foi interpretada (e aplicada) pelo douto acórdão recorrido, viola as normas contidas nos artigos 103º, n.º 2 e 165º, n.º 1, alínea i) da CRP, quando estão em causa postos de abastecimento de combustíveis líquidos situados inteiramente em propriedade privada (ou que não ocupem qualquer porção de território integrado no domínio público ou semipúblico do Município de Estarreja) e não resulte demonstrada a existência de qualquer prestação individual e concreta de um serviço público por parte do Município.» 2.2. O recorrido contra-alegou (fls. 647-652), concluindo do seguinte modo: «1 - A Câmara Municipal tem serviços que exercem a fiscalização sobre as instalações da recorrente, para além dos serviços de prevenção relacionados com a proteção civil. 2 - Para se concluir ou não pelo sinalagma da taxa em questão importará ter presente que estamos perante uma atividade da recorrente que é perigosa e potenciadora de riscos pelo que exige uma observância e fiscalização periódica e além do mais é ainda poluidora. 3 - O município de Estarreja dispõe de serviços, no âmbito das suas competências, que têm em consideração tais exigências e perigos desenvolvendo ações em consonância pelo que é devida a taxa. A Lei n.º 75/2013 prevê expressamente nos seus artigos 23.º-2 alíneas g) , j) , k) , 25.º n.º 1 alínea b) , 33.º n.º 1 alíneas b) , u) , y) , uu), a atuação da autarquia, sendo que a Lei n.º 65/2007 (artigos: 3º, 5º, 10º, 18º) faz recair no município a obrigação de prevenir os riscos, de fazer o levantamento, previsão, avaliação e prevenção dos riscos coletivos, o planeamento de situações de emergência, a criação do serviço de proteção civil. 4 - Acresce que o RGTAL permite que, seguindo as atuais tendências fiscais, em que a taxa é também vista como um regulador, sejam aplicadas taxas tendentes a dissuadir determinadas atividades poluidoras e/ou perigosas. 5 - O regulamento de Taxas do município é muito claro na sua fundamentação económico-financeira ao prever critérios de incentivo ou desincentivo como componente da taxa, sendo que na taxa em questão a grande parte da mesma assenta no critério de desincentivo exatamente pelo carácter poluidor e perigoso da atividade desenvolvida pela impugnante sendo que, em cumprimento do princípio da igualdade, e da proporcionalidade distingue as várias situações. 6 - Em obediência ao princípio da equivalência quem gera a necessidade de prevenção deve pagar os custos daí decorrentes, sendo que nos termos do n.º 2 do artigo 4.º do RGTAL o valor das taxas pode ser fixado também com recurso a critérios de desincentivo. 7 - Seria uma interpretação inconstitucional, nomeadamente por violar o princípio do poluidor pagador [artigo 66.º n.º 2 alínea h) ] interpretar-se a Tabela de taxas do Município de Estarreja no sentido defendido pela recorrente.» Cumpre apreciar e decidir.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=