TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

610 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prática do crime que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa. O Acórdão do Tribunal da Relação constitui, assim, já uma segunda pronúncia sobre o objeto do processo, pelo que não há que assegurar a possibilidade de aceder a mais uma instância de controle, a qual resultaria num duplo recurso, com um terceiro grau de jurisdição.» A jurisprudência mais recente do Tribunal tem, todavia, ressalvado que na hipótese de a decisão de absolvição proferida em primeira instância ser revertida em sede de recurso, a irrecorribilidade da decisão condenatória pode contender com o direito consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, quando atinja o núcleo essencial desta garantia de defesa – o qual «coincide com o direito de recorrer de decisões condenatórias e de atos judiciais que, durante o processo, tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido» (Acórdão n.º 412/15 – vide também os Acórdãos n. os 429/16 e 672/17). Por conseguinte, decidiu o Tribunal no Acórdão n.º 595/18 declarar «com força obri- gatória geral, a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos». Ademais, como se afirmou no Acórdão n.º 628/05, a garantia do direito ao recurso «conjugada com outros parâmetros constitucionais, pressupõe, igualmente, que na sua regulação o legislador não adote solu- ções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades de recorrer – mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios (assim, vejam‑se os Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 1229/96 e 462/03, consultáveis em www.tribunalconstitucional.pt ). » Assim delimitada a liberdade de conformação que ao legislador deve ser reconhecida, em ordem a defi- nir as soluções adequadas a assegurar o direito ao recurso sem prejuízo da necessária celeridade na adminis- tração da justiça criminal, resta indagar se nela encontra respaldo a norma em crise. 7. Em face da conformação da garantia do direito ao recurso em processo criminal, tal como emerge da jurisprudência constitucional, não se vê que possa merecer censura uma solução como aquela em apreço, apenas por impor ao tribunal de recurso o dever de suprir, sempre que possível, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Desde logo, não pode afirmar-se, como pressupõe o recorrente, que o suprimento de toda e qualquer omissão de pronúncia pelo tribunal de recurso elimina «a possibilidade de reexame efetuado por um órgão jurisdicional distinto e hierarquicamente superior ao que apreciou a causa pela primeira vez, com prevalên- cia sobre este» que define o duplo grau de jurisdição (vide o Acórdão n.º 429/16). Nem pode dar-se por demonstrado que o suprimento de uma omissão de pronúncia em segunda instância restringe, em qualquer caso, o direito de recurso de modo a atingir o seu núcleo essencial, tal como este vem sendo delimitado pelo Tribunal. Não pode, outrossim, ignorar-se que a solução em apreço prossegue legítimas e evidentes finalidades de racionalização. Com efeito, o reenvio do processo ao tribunal de primeira instância para suprir uma nulidade por omissão de pronúncia pode revelar-se uma diligência redundante, de morosidade evitável, sobretudo quando o tribunal de recurso detém todos os elementos para formar uma decisão – que, com elevada proba- bilidade, coincidiria com a adotada após o reenvio, se fosse novamente interposto recurso (o qual, nos termos do n.º 3 do artigo 379.º do CPP, seria em princípio distribuído ao mesmo relator). O caso dos autos é, na verdade, exemplar de uma hipótese em que o suprimento da omissão de pronúncia pelo tribunal de recurso confere maior celeridade ao processo sem evidenciar sacrifício das garantias de defesa do arguido, cuja con- denação em pena não privativa da liberdade foi, aliás, confirmada em segunda instância.

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