TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

61 acórdão n.º 134/19 diferenciação, com base no qual se delimita a classe dos destinatários da lei, e o fundamento racional para tal critério, o qual se encontra na ratio ou finalidade por aquela servida. Uma distinção legal é racional se for ditada pela própria finalidade da lei; atente-se na distinção entre automóveis ligeiros e pesados no regime que estabelece os limites de velocidade na circulação rodoviária. E será arbitrária se não tiver qualquer relação, ou uma relação comensurável, com a ratio legis , como seria o caso se a lei estabelecesse limites de velocidade diversos consoante a proveniência geográfica do construtor do automóvel. Chega-se a estas conclusões, como é bom de ver, através da determinação, ainda que implícita, de um termo de comparação entre as pessoas ou situações diferenciadas pela lei; no caso dos limites de velocidade, cuja finalidade é mitigar o risco de aciden- tes e dos danos emergentes da sua ocorrência, o tertium comparationis s ão as propriedades dos veículos que os tornam mais ou menos perigosos e mais ou menos aptos a provocar danos em caso de acidente – contando-se entre tais propriedades a massa do veículo, mas não a origem do seu construtor. Ora, na fixação do regime aplicável à aposentação voluntária, releva seguramente o momento em que o direito à aposentação é exercido. Nenhuma arbitrariedade há no facto de dois funcionários, com carreiras contributivas idênticas, que se aposentam no domínio da vigência de leis diversas, estarem sujeitos a regimes diferentes; assim é porque essa desigualdade diacrónica de tratamento é o resultado natural do exercício da liberdade constitutiva do legislador, do seu poder de conformação política ou da autorrevisibilidade das suas opções, cujo fundamento constitucional é o princípio democrático ao qual se reconduz a sua autoridade. Quanto a este aspeto, as razões aduzidas no Acórdão n.º 580/99 merecem plena adesão: «[I]mporta ter presente que o legislador tem uma ampla liberdade no que respeita à alteração do quadro norma- tivo vigente num dado momento histórico. Na verdade, o legislador, de acordo com opções de política legislativa tomadas dentro de uma ampla zona de autonomia, pode proceder às alterações da lei que se lhe afigurarem mais adequadas e razoáveis, tendo presente, naturalmente, os interesses em causa e os valores ínsitos na ordem jurídica. Uma alteração legislativa para operar, consequentemente, uma modificação do tratamento normativo confe- rido a uma dada categoria de situações. Com efeito, as situações abrangidas pelo regime revogado são objeto de uma valoração diferente daquela que incidirá sobre as situações às quais se aplica a lei nova. Nesse sentido, haverá situações substancialmente iguais que terão soluções diferentes. Contudo, não se pode falar neste tipo de casos de uma diferenciação verdadeiramente incompatível com a Constituição. A diferença de tratamento decorre, como resulta do que se disse, da possibilidade que o legislador tem de modificar (revogar) um quadro legal vigente num determinado período. A intenção de conferir um dife- rente tratamento legal à categoria de situações em causa é afinal a razão de ser da própria alteração legislativa. O entendimento propugnado pela recorrente levaria à imutabilidade dos regimes legais, pois qualquer alte- ração geraria sempre uma desigualdade. Ora, tal posição não é reclamável pelo princípio da igualdade no quadro constitucional vigente.” Porém, nada justifica que sejam tratados de modo diferente dois requerentes contemporâneos cujos processos são despachados no domínio da vigência de leis diversas. Nenhuma razão discernível se pode encontrar para semelhante distinção. Tratando-se de aposentação voluntária, as propriedades relevantes das situações são as carreiras contributivas dos requerentes e o momento do exercício do direito a aposentarem-se – nenhuma das quais tem qualquer relação com o momento em que é proferido o despacho da CGA (…). A distinção legal é, pois, arbitrária.» Reiteram-se estes argumentos e o juízo de inconstitucionalidade – fundado no princípio da igualdade − a que os mesmos conduziram. III – Decisão Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do segmento do artigo 43.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor

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