TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

605 acórdão n.º 186/19 Alegações de recurso O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes: 1. Pode-se retirar, inequivocamente, das disposições conjugadas dos artigos 20.º e [atual] 210.º da Constitui- ção, que existe um genérico direito de recurso dos atos jurisdicionais, cujo preciso conteúdo pode ser traçado, pelo legislador ordinário, com maior ou menor amplitude. Ao legislador ordinário estará vedado, exclusivamente, abolir o sistema de recursos in totum ou afetá-lo substancialmente. 2. Esta orientação foi posteriormente reafirmada por diversas vezes (cfr., entre outros, os Acórdãos do TC números 210/92, 346/92, 403/94, 475/94, 95/95, 270/95, 336/95, 489/95, 715/96, 1124/96, 328/97, 234/98, 276/98, 638/98, 202/99, 373/99, 415/01, 261/02, 302/05, 689/05, 399/07 e 500/07. 3. O Tribunal Constitucional sempre tem entendido que se o legislador, apesar de a tal não estar constitucio- nalmente obrigado, prevê, em certas situações, um duplo ou triplo grau de jurisdição. 4. Na respetiva regulamentação não lhe é consentido adotar soluções desrazoáveis, desproporcionadas ou dis- criminatórias, devendo considerar-se vinculado ao respeito do direito a um processo equitativo e aos princípios da igualdade e da proporcionalidade (cfr. o Acórdão n.º 197/09). 5. Como se referiu no Acórdão n.º 628/05, a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota na dimensão que impõe a previsão pelo legislador ordinário de um grau de recurso, pois “tal garantia, conjugada com outros parâmetros constitucionais, pressupõe, igualmente, que na sua regulação o legislador não adote soluções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades de recorrer – mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios (assim, vejam-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional números 1229/96 e 462/03) [...]”. 6. Quanto a este aspeto, deve começar por se referir que o direito ao recurso constitui uma das mais impor- tantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal, como tem sido invariavelmente repetido na jurisprudência do Tribuna1 Constitucional, mesmo antes do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição ter passado a especificar expressamente o recurso como uma das garantias de defesa a observar. 7. Como enfatizado por Figueiredo Dias, a consagração constitucional do direito ao recurso entre as garantias de defesa do arguido «significa que o direito a um recurso é manifestação jurídico-constitucionalmente vinculante de um direito, liberdade e garantia pessoal da defesa. Ela não pode ser posta em causa em hipótese alguma, mesmo sob a alegação de que se verifica, em concreto, uma qualquer outra garantia de defesa sucedânea legalmente admis- sível Sempre que, num concreto caso judicial de quaisquer espécie, a lei denegue ao arguido condenado o direito a um recurso, a lei materialmente inconstitucional e não pode, como tal, ser aplicada» (Jorge de Figueiredo Dias, “Por onde vai o Processo Penal Português”, As Conferências do Centro de Estudos Judiciários, Almedina, 2014, p. 80). 8. Por outro lado, e como também se sabe, a jurisprudência constitucional tem sempre conferido especial relevo ao sistema da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH) tal como ela vem sendo interpretada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH). Assim, será impor- tante saber se este novo entendimento, que agora se adota, do conceito constitucional do direito ao recurso em processo criminal, tem ou não respaldo em outras ordens jusfundamentais que nos sejam próximas [ou perante as quais esteja a República por algum motivo obrigada Dito isto, Resenha historial dos factos: 1. O arguido invocou, perante o Tribunal da primeira instância, a inconstitucionalidade do artigo 358.º do CP por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 27.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1 da CRP. 2. Como o tribunal não se pronunciou sobre tal matéria na sentença, foi arguida nulidade por omissão de pronúncia no recurso. 3. No acórdão proferido em recurso essa arguição foi julgada procedente, tendo em consequência o vício sido suprido ao abrigo do disposto no artigo 379.º, n.º 2 do CPP, com a pronúncia sobre a mencionada invocação de inconstitucionalidade. 4. O arguido entende que o tribunal de recurso não pode suprir tal omissão.

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