TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
598 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 7. Por outro lado, também não assiste razão às recorrentes, ora reclamantes, quando afirmam que a divergência da decisão entre os dois Acórdãos – os Acórdãos n. os 496/18, ora recorrido, e 123/15 (Acórdão- -fundamento) – sobre a questão da inconstitucionalidade do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011 não advém de uma diferente interpretação do conteúdo normativo desse preceito, mas antes da desconsideração, por parte do Acórdão recorrido (e, bem assim, do Acórdão n.º 187/18), da circunstância de, no sistema jurídico português, a sujeição, pela lei, de um litígio a arbitragem necessária, tornar os tribunais estaduais absoluta- mente incompetentes para o conhecerem. Com efeito, na Decisão Sumária n.º 284/18 (confirmada pelo Acórdão recorrido), em que se remeteu para a fundamentação do Acórdão n.º 187/18, encontra-se transcrita a delimitação que consta deste último Acórdão, a respeito dos direitos em causa no processo arbitral necessário, referindo-se o seguinte: «8.3. Porém, o legislador não desconsiderou totalmente a relevância, no processo autorizativo, de direitos de patente ou de certificado complementar de proteção incompatíveis com o medicamento requerente da AIM. Por essa razão, desenhou um mecanismo extrajudicial que permite aos respetivos titulares (terceiros ao procedimento autorizativo) invocar um obstáculo legal à exploração comercial ou industrial do medicamento, de índole distinta daquela que é apreciada pelo Infarmed: a existência de um direito subjetivo exclusivo de propriedade industrial. O expediente consagrado envolve o recurso a arbitragem necessária na sequência da publicitação do procedimento conducente à concessão ou registo de uma aim, cujo desfecho poderá acarretar a proibição de exploração do medi- camento genérico concedida, nos termos estipulados no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 62/2011. O que está em causa no processo arbitral necessário é a invocação de direitos de propriedade industrial no qua- dro do procedimento autorizativo de introdução no mercado, enquanto obstáculo à exploração comercial do medi- camento sobre que incide a AIM requerida ou concedida. Não se trata, por isso, de averiguar a validade daquela patente, mas de fazer valer, de modo célere, um obstáculo jurídico à comercialização ou fabrico do medicamento genérico, previsivelmente antes da AIM ser concedida. No fundo, cria-se um “sistema mitigado de patent linkage, por força do qual a concessão de uma autorização de introdução no mercado e a autorização no mercado dos gené- ricos não são inteiramente desligadas da apreciação dos direitos de propriedade industrial sobre os correspondentes medicamentos de referência, sendo todavia o contencioso da propriedade industrial relativo a esses medicamentos remetido, pelo menos numa primeira fase, para tribunais arbitrais necessários” (Dário Moura Vicente, cit. , p. 978). Tal dissociação da autorização de introdução no mercado (que leva em conta fatores essencialmente técnicos, de que os medicamentos genéricos não estão dispensados) e da tutela da propriedade industrial, é, aliás, reco- nhecida pelo Regime Jurídico dos Medicamentos de Uso Humano (RJMUH), que expressamente estabelece no n.º 4 do artigo 14.º que “a concessão de uma autorização não prejudica a responsabilidade, civil ou criminal, do titular de autorização de introdução no mercado ou do fabricante”. Isto é, o regime de autorização de introdução do mercado não leva em conta, por via de regra, eventuais direitos de propriedade industrial de medicamentos de referência, embora não deixe de lhes reconhecer, em sede de arbitragem necessária, o poder de impedir o início da exploração comercial ou industrial, porquanto uma eventual AIM “não confere nem visa conferir aos particulares direitos que não tenham relativamente à comercialização de medicamentos, e, em especial, não os dispensa da sujeição aos exclusivos resultantes de patentes nem os iliba da responsabilidade, civil ou criminal, que o ordena- mento jurídico determine como consequência da atuação lesiva de tais exclusivos” (Vieira de Andrade, “A prote- ção…”, cit. , p. 80).». Feita esta delimitação, o Acórdão n.º 187/18 estabelece a distinção entre a dimensão normativa aí em questão e a que foi objeto do Acórdão n.º 123/15 referindo o seguinte: «[13.1.] Na verdade, o juízo positivo de inconstitucionalidade emitido no Acórdão n.º 123/15 tem como objeto dimensão normativa segundo a qual o regime instituído pela Lei n.º 62/2011 comporta a preclusão da tutela jurisdicional do direito em causa caso ultrapassado o aludido prazo de trinta dias, por ser essa a interpreta- ção normativa efetivamente aplicada na decisão então recorrida, a qual, como decorre do sistema de fiscalização
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