TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
59 acórdão n.º 134/19 A lesão da confiança imputável ao legislador é de intensidade máxima. Como se escreveu no Acórdão n.º 195/17: «Por um lado, ao cindir o momento do exercício do direito à aposentação voluntária do momento determi- nante para efeitos de fixação do regime aplicável, a norma sindicada estabelece uma situação de incerteza sobre as consequências da decisão de o funcionário se aposentar, expondo-o à álea do devir legislativo em matéria de cálculo das pensões de aposentação. É certo que, nos termos do n.º 6 do artigo 39.º do EA, o requerente pode desistir do pedido de aposentação até à data em que seja proferido o despacho a reconhecer o respetivo direito, pelo que a sua decisão não é irreversível; mas nem essa reversibilidade neutraliza os efeitos negativos da incerteza, na medida em que esta persiste no momento em que é exercido o direito, nem ela é inteiramente controlável pelo requerente, porque a sua efetividade está condicionada pela álea administrativa do momento da prolação do despacho. Em suma, no momento em que decide aposentar-se, o funcionário não sabe com o que pode contar, nem mesmo sabe se é do seu interesse aposentar-se. Por outro lado, ao fixar o regime aplicável à aposentação com base na lei em vigor, não no momento do requerimento, mas no momento em que é proferido o despacho, o Estado não apenas subtrai ao interessado o domínio sobre uma matéria com vastas implicações na sua vida, como se reserva a faculdade de, através da decisão discricionária quanto ao momento da prolação do despacho, assumir ele próprio controlo integral sobre a situação em benefício próprio. É imaginável, por exemplo, que, estando em preparação legislação destinada a alterar as fórmulas de cálculo das pensões de aposentação em sentido desfavorável aos interessados, e implicando semelhante alteração uma poupança significativa de recursos públicos, sejam dadas instruções para que os processos pendentes não sejam despachados até à entrada em vigor do novo regime. Semelhante possibilidade de manipulação, ainda que meramente teórica, constitui um fator adicional de insegurança para os destinatários, porque à imprevisibili- dade das consequências das suas decisões soma-se o risco de o Estado poder intervir ad nutum , e no seu próprio interesse, no sentido de precipitar um cenário desfavorável. Ao reservar-se tal faculdade arbitrária, pois, o Estado inspira a desconfiança dos cidadãos na sua integridade, agravando a insegurança jurídica.» Este sacrifício grave da confiança legítima não pode ser justificado pelo interesse público presumivel- mente subjacente à solução consagrada no segmento do n.º 1 do artigo 43.º do EA escrutinado nos presentes autos, pelas razões aduzidas no Acórdão n.º 130/18: «O Acórdão n.º 158/08, ponto 2.2., refere uma justificação possível para a norma: «Como anota António José Simões de Oliveira ( Estatuto da Aposentação Anotado e Comentado , Coimbra, 1973, p. 119), esta norma – tendo por pressuposto a conveniência de “uma verificação administrativa do direito de requerer a aposentação” – visou acautelar as situações em que entre a data do requerimento e a da resolução do processo de aposentação decorra largo tempo, no decurso do qual o funcionário, em princípio, se manteve ao serviço, com mais tempo aproveitável para a aposentação e eventual superveniência de outras alterações relevantes, designadamente ao nível remune- ratório, sendo manifestamente injusto, em tal quadro, calcular a pensão à data do requerimento [No sentido da inconstitucionalidade da referida norma se interpretada no sentido de aplicar alterações de regime desfavoráveis ao interessado surgidas após a data do requerimento – questão que não está em causa no presente recurso – cfr. José Cândido de Pinho, Estatuto da Aposentação , Coimbra, 2003, p. 161]» (Acórdão 158/08, 2.ª Secção, ponto 2.2.). No entanto, se o interesse público prosseguido for o de permitir a contagem do tempo de serviço entretanto decor- rido, a questão escapa à presente análise, por esta apenas dizer respeito à determinação do regime legal aplicável a determinado pedido de aposentação e não à situação de facto a ser tida em conta. Se o interesse público justificativo for a possibilidade de aplicação de regime legal superveniente mais favorável ao requerente, então no caso presente tal não poderá prevalecer, pois da aplicação da norma em causa resulta uma situação mais lesiva para o cidadão. Um outro interesse público que pode ser identificado é o da sustentabilidade do sistema de aposentações. De facto, pode ser argumentado que existe um interesse geral em que uma determinada alteração ao regime de pensões, fundada na garantia da sua sustentabilidade, vigore de forma mais abrangente possível. Esta é uma área
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=