TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
589 acórdão n.º 170/19 regime geral, tem direito. O praticante desportivo não é, quanto a este aspeto, um trabalhador (diríamos, mesmo, um contraente) diferente dos outros. A indemnização a arbitrar ao trabalhador, em consequência dessa cessação, comunga das mesmas razões e finalidades, quer o trabalhador em causa seja um praticante desportivo, quer seja um trabalhador sujeito ao regime geral do contrato de trabalho a termo. As razões, ligadas à competição desportiva, que, no que diz respeito a outras aspetos da disciplina legal, fundamentam suficientemente soluções de regime distintas das consagradas em geral, não constituem, por padrões de razoabilidade, um ponto de vista diferenciador quanto à aplicação do princípio da reparação integral dos danos. Logo, se, no exercício da sua liberdade conformativa, o legislador entendeu que, ao contratado a termo, não deve ser coartada a possibilidade de reparação integral dos danos comprovadamente sofridos, sem qualquer limite máximo – não se desviando, aliás, sob este aspeto, do regime geral dos contratos –, não há fundamento, pelo parâmetro da igualdade, para excluir desse regime os trabalhadores desportivos, sujeitos, imperativamente, a esse tipo de contrato. O artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98 não se limita a omitir a garantia de limite mínimo que o regime do artigo 443,º, n.º 3, do Código do trabalho concede: fixa um teto máximo para o montante da indemnização, coincidente com esse mínimo da indemnização, de que beneficiam os trabalhadores do regime comum, em situação idêntica. Pode dizer-se que o tratamento dispensado ao trabalhador desportivo é, sob este aspeto, não apenas distinto, mas verdadeiramente o oposto daquele concedido ao trabalhador de regime comum. O que espelha um grau de dife- renciação, uma disparidade de tratamento de tal magnitude que ultrapassa, sem dúvida, a medida da diferença sin- gularizadora da prestação de trabalho desportivo – para quem admita que alguma diferença aqui existe. Na verdade, não só está condenada ao malogro qualquer tentativa de identificação de razões próprias deste tipo de contrato que justifiquem esse limite máximo, como facilmente se podem alinhar razões contrárias, particular- mente atuantes, neste âmbito contratual. A calendarização da competição desportiva, por épocas temporalmente delimitadas, com a concomitante fixação de períodos de inscrição, de acordo com os regulamentos aplicáveis, torna bem presente o risco de inatividade, mais ou menos alongada, mesmo para praticantes com “procura” alternativa. Por outro lado, a curta perduração da capacidade natural de exercício da profissão, a própria dependência da aptidão para um desempenho funcional valioso de uma prática regular, em competição, tornam as consequências danosas da concretização desse risco especialmente graves para o trabalhador desportivo “forçado” a rescindir, pela conduta da contraparte. E – convém lembrá-lo – está longe de poder generalizar-se à maioria dos praticantes a imagem dos atletas mais famosos e de maior nível, como alvos quase permanentes da “cobiça” dos outros clubes… 14. Pelo que acabou de ser dito, torna-se claro que o artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, na dimensão aqui em apreciação, não passa o teste do princípio da igualdade. Ainda que se entenda que o modo de cálculo da indemnização devida pela rescisão não se inclui na matéria dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e que, por isso, o legislador ordinário dispõe aqui de liberdade de conformação (cfr. Acórdão n.º 242/01), sempre se terá de concluir que, nas regras de cálculo, o legislador está obrigado a assegurar, ao praticante desportivo, o mesmo grau de proteção que dispensa ao trabalhador comum, ou, pelo menos, uma proteção que não configure um tratamento desigual em medida significativamente excedente da medida da diferença. Como afirma Reis Novais, “a fundamentação exigida a qualquer diferenciação tem, no mínimo, de passar o teste da proibição do excesso” ( Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, 114). Ora sem dúvida que uma tão cavada diferenciação de regimes de indemnização não encontra o mínimo de correspondência, por um critério razoável e objetivo, em diferentes situações e condições de prestação laboral que a justifique. Em suma, conclui-se que o artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, por confronto com o que se estabelece no artigo 443.º, n.º 3, do Código do Trabalho – norma, aliás mantida no artigo 396.º, n.º 4, do Código revisto pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro -, viola o princípio da igualdade, na medida em que prevê um limite máximo para a indemnização a arbitrar ao praticante desportivo que cesse o contrato antes do termo, com justa causa, limite
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