TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

58 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição). Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutra jurisprudência do Tribunal) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para que para haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comporta- mentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.» Os três primeiros requisitos respeitam a uma situação de confiança imputável ao legislador e prima facie merecedora de tutela constitucional. Todos se encontram satisfeitos no caso vertente. Em primeiro lugar, presume-se que o comportamento legislativo tenha gerado nos destinatários expec- tativas de continuidade. Com efeito, ao estabelecer os pressupostos da aposentação voluntária e fazer depen- der a sua efetivação de requerimento do interessado (artigo 39.º, n.º 1, do EA), o legislador fomenta nos des- tinatários a expectativa na aplicabilidade do regime determinável na data da apresentação do requerimento, e que não pode deixar de ser o que se extrai da legislação em vigor nesse momento. Como se afirmou no Acórdão n.º 130/18: «[Q]uando o cidadão requer a aposentação, no exercício do seu direito, naturalmente deverá conhecer quais serão as regras jurídicas que são aplicáveis à sua pensão. Só dessa forma pode prever em consciência as consequên- cias jurídicas do seu ato – a ordem jurídica não lhe pode exigir a tomada desta decisão, tão importante para a sua vida futura, sem que exista ao menos a possibilidade de conhecer esse regime. No limite, o requerente confiará na aplicação do regime jurídico que se encontra em vigor, pois só esse é o conhecido e só ele pode ser tido em conta por si como fator determinante para a manifestação da sua vontade aquando da apresentação do requerimento.» Em segundo lugar, não pode duvidar-se da legitimidade da expectativa do interessado em que se lhe aplique o regime que se extrai da legislação vigente no momento em que decide aposentar-se. O despacho da CGA que reconhece o direito à aposentação, como resulta da própria nomenclatura, limita-se a reconhecer uma situação jurídica subjetiva já existente, retirando da mesma todas as consequências em termos estatutários. Em terceiro lugar, é natural que o requerente, exercendo o direito a aposentar-se, invista na confiança gerada pelo comportamento legislativo. A aposentação é uma decisão estruturante na vida de um cidadão, como o são a generalidade dos cidadãos, para o qual o trabalho remunerado é o principal fator de ocupação e fonte de rendimento no decurso da vida adulta. A hipótese da aposentação voluntária obriga-o a ponderar inúmeras vantagens e inconvenientes, materiais e intangíveis, e a planear a sua vida futura com base nessa ponderação. Acresce que a aposentação é irreversível, o que indicia um grau máximo de investimento na estabilidade das respetivas consequências jurídicas. 10. Verificada uma situação de confiança imputável ao legislador, resta determinar se a frustração das expectativas legítimas dos requerentes na aplicabilidade do regime que se extrai da legislação vigente na data da apresentação do requerimento – ou, no caso previsto no artigo 39.º, n.º 4, do EA, na data em que se reúnam todos os requisitos da aposentação – se pode justificar por razões de interesse público ou por outras considerações constitucionais relevantes. Trata-se de um juízo de proporcionalidade, em que se pondera a gravidade do sacrifício da confiança e o peso das razões desse sacrifício.

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