TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
56 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 4. Apesar de reiterarem a jurisprudência do Tribunal no sentido de que “o facto de um interessado ter ingres- sado na função pública no domínio de um determinado regime legal, designadamente em matéria de definição dos requisitos para a aposentação e das regras de cálculo das respetivas pensões, não lhe outorga o direito a ver inalterado esse regime durante todo o tempo, em regra várias décadas, que durar a sua carreira até atingir o seu termo por aposentação” (Acórdão n.º 158/08), as decisões que estão na base do presente pedido de generalização reconhecem que as normas que agora se apreciam apresentam “particularidades que conduzem a uma diferente ponderação” (Acórdão n.º 615/07, ponto 10.). Está em causa um direito, o direito à aposentação nos termos do Decreto‑Lei n.º 116/85, que entra na titula- ridade do interessado e é por ele efetivamente exercitado na plena vigência do regime instituído por este diploma, que o subscritor da Caixa Geral de Aposentações perde por haver demora no envio do processo a este organismo, demora a que o interessado é de todo alheio. Sendo certo que, como se assinala no Acórdão n.º 158/08, o funcio- nário público está numa posição de alteridade em relação à entidade administrativa ao serviço da qual se encontra para efeitos do procedimento de atribuição de pensão de aposentação: “(…) neste domínio, o funcionário encontra‑se numa situação de autonomia subjetiva face à Administra- ção. Na verdade, não é mais sustentável a conceção que reduzia o funcionário público a “elemento integrante do aparelho administrativo, objeto de supremacia absoluta da Administração, que define, com o legislador, autoritária e integralmente, o seu estatuto (de sujeição) especial” – o chamado sistema de inclusão (António Lorena de Sèves, “Os concursos na função pública”, em Seminário Permanente de Direito Constitucional e Administrativo, vol. I, Braga, 1999, p. 49). Antes se reconhece que, pelo menos em certos domínios, a posição do funcionário face à Administração é, não de inclusão, mas de alteridade, que pressupõe a autonomia jurídica do funcionário. Impõe‑se, assim, a distinção entre “relação orgânica” (o funcionário como órgão do aparelho administrativo) e “relação de serviço ou de emprego” (que, na conceção clássica de funcionário, era absorvida pela primeira), reconhecendo a esta, tal como às comuns relações de trabalho, uma tutela jurídica específica, quer na contraprestação que constitui a remuneração, “quer com todas as outras situações que se repercutem em termos económicos na esfera do agente ( v. g., qualificação profissional, carreira, férias, duração do trabalho, segurança social, etc.)” (Francisco Liberal Fernandes, Autonomia Coletiva dos Trabalhadores da Administração. Crise do Modelo Clássico de Emprego Público , Coimbra, 1995, pp. 107‑108). A revisão constitucional de 1982, ao mudar a expressão “funcionários e agentes do Estado e das demais entida- des públicas”, constante do primitivo artigo 270.º, n.º 1, para “trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas”, do novo artigo 269.º, tornou claro que nenhum argumento justi- fica “não considerar os funcionários públicos como trabalhadores, para efeitos de titularidade dos correspondentes direitos, liberdades e garantias constitucionais” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , 3.ª edição, Coimbra, 1993, p. 945)». 5. As particularidades assinaladas, que se traduzem na circunstância de os requisitos legais para a passagem à situação de aposentado se completarem no domínio da vigência de determinado regime legal e serem posterior- mente alterados em termos de determinarem o não reconhecimento desse direito (Acórdão n.º 158/08), impõem que se conclua que a normas em apreciação violam o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito (artigo 2.º da CRP). Este Tribunal tem entendido que o princípio da confiança é violado quando haja uma afetação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa de expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos (cfr., entre muitos outros, Acórdãos n. os 287/90, 303/90, 625/98 e 634/98, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Segundo o Acórdão n.º 287/90, a ideia geral de inadmissibilidade poderá ser aferida, nomeadamente, por dois critérios: a afe- tação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação na ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se
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