TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

558 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas». Deste modo, só «a normação que, por sua natu- reza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva, àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrá- tico, terá de ser entendida como não consentida pela Lei Básica» (vide Acórdão n.º 303/90). Refere-se, com pertinência, no Acórdão n.º 313/95, que «o princípio da confiança (…) inculca que deva o cidadão prever as intervenções que o Estado possa “levar a cabo sobre ele ou perante ele e preparar-se para se adequar a elas”, devendo, assim, confiar “que a sua atuação de acordo com o direito seja reconhecida pela ordem jurídica e assim permaneça em todas as suas consequências juridicamente relevantes” (usaram-se as palavras do Acórdão n.º 17/84), o que conduz a que aquele princípio imponha ao Estado, sem que com isso se signifique que não possa levar a cabo modificações da ordem jurídica existente, a não edição de normação que, repercutindo-se acentuada, onerosa e intoleravelmente nas situações já existentes e criadas à sombra da anterior legislação, as vá alterar no seu conteúdo e consequências, com os quais os cidadãos, razoavelmente, não contariam», isto, naturalmente, sem prejuízo das razões de interesse público que, em ponderação, possam valer. No caso do critério normativo em apreciação está, assim, em causa uma alteração legislativa que, no entender da recorrente, consagrou uma restrição no acesso ao Supremo Tribunal de Justiça que não ocorreria na versão do CPC anterior, na qual se tomava por referência para efeitos de admissibilidade do recurso de revista, o sentido da decisão de 1.ª instância. Sucede que o critério normativo em análise, ao limitar a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência das Relações, tomando como critério de restrição o sentido da decisão proferida na Rela- ção, cumprindo o desiderato de racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, articulado com o objetivo de garantir que a via de acesso a essa instância se abra apenas para os casos em que se verificam os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso de revista e esteja consagrado um obstáculo legal que inviabilize a pronúncia deste órgão, não afeta de forma inadmissível as expectativas jurídicas do recorrente, sendo certo que, como se referiu, não decorre da Constituição a existência, em processo civil, de um recurso de uniformização de jurisprudência, nem sequer o direito a um triplo grau de jurisdição (vide o já citado Acórdão n.º 574/98). Com efeito, o legislador ordinário goza de uma ampla margem de liberdade na con- creta conformação e delimitação do regime dos recursos cíveis, no qual se integram os respetivos pressupostos de admissibilidade. Sempre se poderá acrescentar que o legislador somente adotou um critério de admissibilidade do recurso de revista em função da decisão de 1.ª instância que vigorou apenas entre a aprovação do CPC de 2007 e a do CPC de 2013. O antecessor direto do atual artigo 671.º, n.º 1, do CPC (o artigo 721.º, n.º 1, do CPC 2007), que deli- mita a amplitude do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, consagrou um critério de admissibilidade do recurso de revista em função da decisão de 1.ª instância, ou seja, a intervenção deste órgão superior ocorria quando tal decisão colocasse termo ao processo ou decidisse, sem pôr termo ao processo, o mérito da causa por meio de despacho saneador. Já na versão do CPC anterior à reforma de 2007, a admissibilidade do recurso de revista estava dependente da prolação pela Relação de uma decisão que decidisse o mérito da causa. É certo que, quando a ação dos autos deu entrada em juízo estava ainda em vigor o CPC de 2007, porém, de tal circunstância não se retira que o legislador tenha criado uma legítima expectativa aos cidadãos de estabilizar os critérios de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no que concerne à deci- são que serve de referência para aferir da admissibilidade do recurso de revista, tanto mais que, na versão do CPC anterior à de 2007, o critério elegido pelo legislador para determinar a recorribilidade de decisões da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça correspondia ao sentido da decisão exarada em 2.ª instância, exigindo que a mesma decidisse do mérito da causa. Neste contexto, a solução jurídica adotada pelo critério normativo em apreciação, fazendo prevalecer sobre os interesses acautelados pela uniformização de jurisprudência o objetivo de racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, reservando a sua intervenção para as causas nas quais tenha sido proferida uma decisão final, quer seja de mérito quer se debruce sobre uma questão de índole processual, enquadrados num

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