TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

553 acórdão n.º 159/19 aleatória, antes encontrando uma justificação objetiva na teleologia deste tipo de recurso – que visa, como referimos, a proteção do interesse geral na boa aplicação do direito e a segurança jurídica no âmbito de causas que legalmente se encontram impedidas, por motivo estranho à alçada, de ser submetidas à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça – conjugada com uma política de racionalização do acesso ao órgão de cúpula da ordem jurisdicional. Resta, assim, concluir que o critério normativo erigido como objeto do recurso não viola o artigo 20.º, n. os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa. 10. A recorrente alega também que a interpretação normativa que integra o objeto do presente recurso ofende o princípio da proporcionalidade, afirmando que as restrições ao direito ao recurso estão sujeitas aos princípios estruturantes do Estado de direito democrático», e, «de um modo especial», ao princípio da pro- porcionalidade e ao da igualdade. Ora, no presente caso, o critério normativo em sindicância limita-se a definir os pressupostos do exercí- cio do direito ao recurso, relativamente ao qual a Constituição não obriga, como vem demonstrando a juris- prudência constitucional, à consagração de um direito ao triplo grau de jurisdição, ou, sequer a um recurso para uniformização de jurisprudência. Como supra se assinalou, o legislador ordinário goza, no âmbito do regime dos recursos civis, de uma ampla margem de conformação, sendo de relevar que as suas opções têm sido pautadas por uma política de racionalização do acesso ao triplo grau de jurisdição que deve ser articulada, no que concerne à solução jurídica adotada pelo tribunal a quo, à ratio subjacente ao recurso para uniformização de jurisprudência entre acórdãos das Relações. Como sintetizou a decisão recorrida, o fito deste recurso é o de permitir a recorribilidade de decisões que, nos termos gerais, seriam recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça, mas, irrecorríveis para esse Tribunal por causa de previsão legal específica, assim sendo possível dirimir conflitos de jurisprudência entre decisões das Relações. O critério limitativo do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça reside, assim, na prolação de uma decisão final, ou seja, uma decisão que tenha apreciado o mérito da causa, dirimindo o litígio objeto do processo, ou uma decisão que coloque termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos. Ora, não é tarefa difícil encontrar a razão de ser desta limitação. O que o legislador pretendeu com a definição deste critério de limitação do acesso ao órgão de cúpula da ordem jurisdicional foi reservar a sua jurisdição para uma fase do processo em que o dissídio que configura o seu objeto se encontrasse definitivamente decidido, quer fosse o mesmo de natureza processual quer material. Ou seja, tendo presente a confessada intenção legislativa de limitar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, parece-nos compatível com tal desiderato que a sua intervenção ocorra apenas quando se está perante uma decisão final, que tenha recaído sobre o mérito ou que, não se tendo pronunciado relativamente à questão material controvertida, tenha posto termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos. Atenta a teleologia das normas que delimitam o acesso à jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça, não se justifica que tal órgão seja chamado a intervir numa fase do processo tão precoce como a dos autos, sendo que, à posteriori, e verificados os pressupostos processuais de que depende a sua intervenção, poderia ainda estar aberta a via de acesso a essa mesma instância. Não decorre da Lei Fundamental, como vimos, um direito ilimitado de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, e muito menos um direito a que esse Tribunal seja chamado a pronunciar-se em todas as fases do mesmo processo ou sobre todas as questões nele levanta- das. Como refere Lopes do Rego («O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil», in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, p. 764), as «limitações derivam, em última análise, da própria natureza das coisas, da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os Tribunais Superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos restantes tribunais».

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