TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

552 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL dirimir contradições de julgados do Tribunais da Relação. Não obstante, tal não significa que o legislador não esteja sujeito, na modelação de um instituto jurídico com tal objetivo, a verificar padrões de razoabili- dade, equidade e proporcionalidade. Com efeito, como se sustentou no Acórdão n.º 383/09 deste Tribunal, «mesmo onde não concretize imposições constitucionais de legislar, tendo optado por estabelecer um certo procedimento – na hipótese sob exame um procedimento finalisticamente orientado para prevenir diver- gências na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, mediante a imposição de deveres (aos juízes da formação em que o conflito se preveja), a concessão de faculdades (às partes) e a atribuição de poderes (ao Presidente) para fazer intervir uma formação alargada de julgamento – o legislador não pode fixar pressu- postos processuais desnecessários, não adequados ou desproporcionados. Essa exigência de racionalidade na conformação dos meios processuais, ainda que constitucionalmente facultativos, encontra suporte constitu- cional no direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP)». Como se viu, a interpretação normativa que configura objeto do presente processo tem subjacente a intenção legislativa de reservar ao Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente no âmbito do recurso para uniformização de jurisprudência das Relações, as questões jurídicas que se encontrem definitivamente deci- didas, afigurando-se, deste modo, que o critério normativo em causa encontra justificação numa política de descongestionamento do Supremo Tribunal de Justiça e de requalificação das suas funções, articulada com a ratio do específico recurso para uniformização de jurisprudência de acórdãos das Relações, que, como se plasmou na decisão recorrida, se dirige aos casos em que, apesar de se encontrarem preenchidos os pressupos- tos de revista nos termos gerais, é legalmente inadmissível o recurso ao terceiro grau de jurisdição, atento o tipo de ação ou procedimento a que respeitam. Na verdade, este tipo de recurso para uniformização de juris- prudência das Relações não se prende com a justiça do caso concreto, isto é, «não se destina a salvaguardar qualquer direito subjetivo do recorrente», o que decorre, à evidência, do facto de «nos casos em que se não verifica contradição de julgados, a decisão da Relação é irrecorrível». A ratio última deste recurso reside em «evitar a propagação do erro judiciário e eliminar a insegurança jurídica gerada por jurisprudência contradi- tória; o interesse do recorrente na reapreciação da questão de direito é, bem vistas as coisas, apenas o pretexto para desencadear um mecanismo de superação de contradições jurisprudenciais cuja função é tutelar aqueles interesses objetivos» (vide Acórdão n.º 253/18). Há, pois, que ter presente que, não obstante se atribuir, prioritariamente, ao Supremo Tribunal de Jus- tiça a função de uniformizar jurisprudência, assim acautelando valores como a segurança e certeza jurídica e a igualdade de tratamento, que justificam «a consagração de mecanismos que visem contrariar ou atenuar os efeitos da instabilidade ou da incerteza interpretativa, evitando que questões idênticas possam ser dirimidas por diferentes juízes de modo diametralmente oposto» (vide, Abrantes Geraldes, Uniformização de Jurispru- dência cível, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas , Vol. I, Coimbra Editora, 2013, p. 621), tal não pode contribuir para congestionar e massificar a atividade de tal instância. Nesta conciliação de valores a acautelar é mister atender ao facto de que a Lei Fundamental não impõe que todas as questões sejam reapreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, porquanto dela não decorre um direito ao triplo grau de jurisdição nem tão pouco um direito ao recurso para uniformização de jurisprudência. Como se assinalou no já citado Acórdão n.º 383/09, «ainda que se considere possível retirar da Cons- tituição, designadamente dos princípios da segurança jurídica e da igualdade, a imposição ao legislador de um dever de consagrar medidas organizatórias e instrumentos processuais especificamente ordenados à pros- secução do interesse da uniformização da jurisprudência, tratar-se-á sempre de uma exigência de proteção institucional objetiva da unidade da ordem jurídica, não de um direito subjetivo ou situação ativa equiparada dos cidadãos ( de cada cidadão litigante) a deduzir uma pretensão dirigida à manutenção ( ou pelo menos à uniformização ) da jurisprudência». Ora, atentas as considerações já expendidas, observa-se que a interpretação normativa em que se sus- tentou o juízo decisório do tribunal a quo, assente na imposição da verificação dos pressupostos do recurso de revista consagrados no artigo 671.º, n.º 1, do CPC, como delimitativa da admissibilidade do recurso de revista plasmado na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do mesmo diploma legal, não se afigura arbitrária ou

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