TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

550 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL dos requisitos do recurso de revista previstos no artigo 671.º, n.º 1, do CPC, que toma agora por referência o acórdão da Relação e já não a decisão de primeira instância. De acordo com o discurso da recorrente, é, precisamente, deste facto que decorrem os vícios de violação da Lei Fundamental imputados ao critério normativo alcançado no juízo a quo. Assim, a recorrente começa por imputar à interpretação normativa erigida como objeto do recurso a violação do artigo 20.º da Constituição, especificamente do acesso ao direito e aos tribunais para defesa de direitos e interesses legalmente protegidos (n.º 1) e do processo equitativo (n.º 4). Apreciando, cumpre, desde logo, notar que, como recentemente se afirmou no Acórdão n.º 361/18, «o direito ao recurso em processo civil, e sobretudo o acesso ao recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, não encontra previsão expressa no artigo 20.º da Constituição, não resultando como uma imposição cons- titucional dirigida ao legislador, que, neste âmbito, dispõe de uma ampla margem de liberdade». O referido aresto sustentou tal conclusão na jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional quanto à densifica- ção do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, da qual destacou o Acórdão n.º 638/98, que, no que ora importa, dispõe do seguinte modo: «O artigo 20º, n.º 1, da Constituição assegura a todos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios econó- micos». Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igual- dade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes direitos e interesses legalmente protegidos. Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de jurisdição? A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro), passou a incluir, no artigo 32º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32.º. Para além disso, algumas vozes têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afetem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (ver, a este respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respetivamente no Acórdão n.º 65/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, pág. 653, e no Acórdão n.º 202/90, id., vol. 16, pág. 505). Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer. Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III – Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Consti- tucional – artigo 210º), terá de admitir-se que «o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos» (cfr., a este propósito, Acórdãos n.º 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e n.º 340/90, id., vol. 17, pág. 349). Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar

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