TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

542 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 22. Na versão do CPC anterior à reforma dos recursos de 2007, em que existia o artigo 678.º, n.º 4, corres- pondente ao artigo 629.º, n.º 2, alínea d) , do atual CPC, não se previa a revista excecional ora consagrada no artigo 672.º, n.º 1, alínea c) , do atual CPC, pela simples razão de que não havia a limitação da dupla conforme, e portanto esta previsão era desnecessária. 23. Apesar de ter reintroduzido a solução consagrada no artigo 629.º, n.º 2, alínea d) , do atual CPC, o legis- lador manteve a previsão da revista excecional com fundamento na contradição de julgados, o que pode suscitar dúvidas na delimitação do âmbito de aplicação do artigo 672.º, n.º 1, alínea c) , por comparação com o do artigo 629.º, n.º 2, alínea d) , ambos do CPC. 24. No entanto, em primeiro lugar, nada obsta a que se mantenha a autonomia entre os âmbitos de aplicação de ambos os artigos mesmo na interpretação defendida pela recorrente, à semelhança do que ocorria no regime em vigor na versão do CPC anterior à reforma dos recursos de 2007, entre os âmbitos de aplicação dos então artigos 678.º, n.º 4, e 754.º, n.º 2, do CPC. 25. Pelo contrário, afigura-se acertado entender que o artigo 629.º, n.º 2, alínea d) , do CPC, se aplica aos casos em que nunca seria possível o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça por motivos estranhos à alçada do tribunal (incluindo os casos em que o acórdão da Relação não conhece do mérito nem põe termo ao processo, mas o valor do recurso excede o valor da alçada do Tribunal da Relação), e que o artigo 672.º, n.º 1, alínea c) , do CPC, esta- belece uma exceção à regra de irrecorribilidade do acórdão da Relação que, embora conheça do mérito ou ponha termo ao processo, confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão pro- ferida em primeira instância, permitindo a uniformização de jurisprudência que de outro modo não seria possível. 26. Em segundo lugar, mesmo no caso de se entender que a interpretação defendida pela recorrente resulta numa sobreposição entre os âmbitos de aplicação dos artigos 629.º, n.º 2, alínea d) , e 672.º, n.º 1, alínea c) , do CPC, a solução a dar ao problema não pode esbarrar com o respeito por princípios constitucionais, como sucede com a interpretação sufragada na Decisão Recorrida. 27. Acrescenta-se que, em qualquer uma destas interpretações, para que caiba recurso de revista ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, alínea d) , do CPC, não basta a contradição de decisões, é ainda necessário que o valor do recurso exceda a alçada do Tribunal da Relação, pelo que a solução propugnada não comporta qualquer risco de consagrar um regime de recurso ordinário de revista para todas as situações em que exista contradição de julgados. 28. Não se descura que o legislador ordinário tem liberdade para alterar as regras sobre a recorribilidade das decisões judiciais, e para limitar o direito de acesso ao terceiro grau de jurisdição. 29. Contudo, a interpretação normativa sufragada na Decisão Recorrida redunda numa limitação discrimina- tória e injustificada desse direito face a situações materialmente idênticas no que respeita ao interesse de unifor- mização de jurisprudência tutelado pelo artigo 629.º, n.º 2, alínea d) , do CPC [as que integram o n.º 1 do artigo 671.º e a alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º, ambos do CPC]. 30. Estamos perante uma restrição a um direito fundamental – o direito ao recurso –, incompatível com a CRP, na medida em que é negado o acesso à Justiça e, em concreto, à fixação de jurisprudência que, ao contrário do que resulta da interpretação sob recurso, é permitida pelo quadro legal vigente. 31. Conclui-se que a interpretação normativa que na Decisão Recorrida se faz do quadro legal vigente e, nomeadamente, da conjugação dos artigos 629.º, n.º 2, alínea d) , 671.º, n.º 1, e 854.º do CPC, é manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança, da igualdade e da proporcionalidade e do direito de acesso aos tribunais ou princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrados, respetivamente, nos artigos 2.º, 13.º, 18.º e 20.º, todos da CRP. 32. Pretende a recorrente que V. Exas. apreciem a constitucionalidade da referida norma, ínsita na conjugação dos artigos 629.º, n.º 2, alínea d) , 671.º, n.º 1, e 854.º do CPC, declarando-a inconstitucional na interpretação normativa realizada pelo Supremo Tribunal de Justiça no presente processo, de que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, não é admissível quando o mesmo não preencha os requisitos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, ou seja, quando o mesmo não conheça do mérito da causa ou ponha termo ao

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