TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
541 acórdão n.º 159/19 independentemente dos diferentes sentidos das decisões em ambas as instâncias, as partes estão em igualdade de circunstâncias: de facto, caso não houvesse contradição de julgados, nenhuma das partes poderia recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, face ao sentido da decisão da segunda instância, porquanto, (a) ou não estava em causa um acórdão da Relação que conhecesse do mérito ou pusesse termo ao processo, caso em que o processo pros- seguiria para julgar do mérito; (b) ou haveria a limitação da dupla conforme, caso em que a limitação do recurso seria inultrapassável sem que houvesse um fundamento “extraordinário” de revista. 14. No entanto, a contradição de julgados é um fundamento de recurso de tal forma relevante que o legislador consagrou o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça para permitir a uniformização de jurisprudência não só nos casos em que há dupla conforme [cfr. artigo 671.º, n.º 3, e 672.º, n.º 1, alínea c) , do CPC], como nos casos em que há uma exclusão legal de revista [cfr. artigo 629.º, n.º 2, alínea d) , do CPC], e ainda nos casos em que se recorre de uma decisão da primeira instância meramente interlocutória sobre questões de natureza adjetiva [cfr. artigo 671.º, n.º 2, alínea a) , do CPC]. 15. Não há, portanto, qualquer motivo atendível para permitir o recurso nesses casos, e para o impedir quando está em causa uma decisão que julga improcedente um fundamento de defesa suscetível de pôr termo ao processo, obstando definitivamente à sua reapreciação, e o que está em causa é precisamente a mesma preocupação de apli- cação uniforme do direito pelas Relações. 16. O próprio legislador elegeu a uniformização de jurisprudência como sendo um objetivo mais importante do que a racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça quando reintroduziu o artigo 629.º, n.º 2, alínea d) , do CPC, e quando admitiu o recurso de revista para decisões interlocutórias da primeira instância sobre ques- tões meramente adjetivas [cfr. artigo 671.º, n.º 2, alínea a) , do CPC]. 17. A interpretação normativa levada a cabo pelo Supremo Tribunal de Justiça no presente processo resulta, portanto, numa flagrante desigualdade de armas e desproporcionalidade entre as partes perante a existência do mesmo fundamento de recurso: uma contradição jurisprudencial entre acórdãos proferidos pelas Relações. 18. Repare-se que esta desigualdade não existia na versão do código anterior à reforma dos recursos ocorrida em 2007, na qual se previa a norma equivalente ao atual artigo 629.º, n.º 2, alínea d) , do atual CPC, o então artigo 678.º, n.º 4, do CPC. Com efeito, no que toca ao recurso de apelação, o terceiro grau de jurisdição era a regra, não havendo a limitação da dupla conforme, e tinha sempre por referência uma decisão que conhecesse do mérito da causa (cfr. artigos 691.º e 721.º do CPC então vigente). E no que respeita ao agravo, previa-se sempre a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça para uniformização de jurisprudência (cfr. artigo 754.º, n.º 2, do CPC então vigente) e esta era a solução no âmbito do processo executivo, por via dos então artigos 922.º e 923.º do CPC. 19. Do mesmo modo, na versão do código anterior à atualmente em vigor, e apesar de não haver uma norma correspondente ao anterior artigo 678.º, n.º 4, do CPC, ou ao atual artigo 629.º, n.º 2, alínea d) , do CPC, tanto o recurso de apelação, como o recurso de revista, tinham por referência a decisão da primeira instância [cfr. artigos 691.º, n.º 1 e n.º 2, alínea h) , e 721.º, n.º 1, ambos do CPC então vigente], pelo que as partes estavam sempre em igualdade de circunstâncias no acesso ao Supremo Tribunal de Justiça: (a) ou ambas podiam lançar mão do recurso ordinário de revista nos termos do então artigo 721.º, n.º 1, do CPC; (b) ou havia dupla conforme, mas ambas podiam lançar mão do recurso excecional de revista previsto no então artigo 721.º-A, n.º 1, alínea c) , do CPC; (c) ou havia uma irrecorribilidade legal, e nenhuma delas poderia recorrer com base na contradição de acórdãos proferidos pelas Relações, por não haver norma equivalente ao artigo 629.º, n.º 2, alínea d) , do CPC. 20. A situação ao abrigo do atual CPC é, portanto, muito diferente daquela que existia anteriormente, pelo que, salvo melhor entendimento, não é adequado interpretar o regime atual nos precisos termos em que se inter- pretava o regime anterior à reforma dos recursos de 2007, como fez o Supremo Tribunal de Justiça na Decisão Recorrida, sobretudo se tal resultar numa violação de princípios constitucionais, como é o caso. 21. No que concerne à alegada necessidade de atribuir um sentido útil à uniformização de jurisprudência que está na base da revista excecional prevista no artigo 672.º, n.º 1, alínea c) , do CPC, evitando sobreposição com o campo de aplicação do artigo 629.º, n.º 2, alínea d) , do CPC – o entendimento sufragado na Decisão Recorrida também não pode proceder.
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