TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
54 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Conclui-se, assim, que não se verifica qualquer violação arbitrária e intolerável do princípio da confiança e da boa fé quando, de acordo com a norma contida no artigo 43.º, n.º 1, alínea a) , do Estatuto de Aposentação (norma vigente no momento em que a pensão foi requerida), se fixa definitivamente o montante da pensão de aposentação à luz da lei vigente no momento em que o despacho que reconhece o direito da pensionista é proferido (artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 2/92, de 9 de março). 8. A recorrente sustenta, por outro lado, que as normas impugnadas violam os princípios da igualdade e da justiça. A violação dos princípios invocados decorre, na perspetiva da recorrente, de a situação da recorrente, definida à luz das normas impugnadas, ter sido objeto de um tratamento diferente do conferido a situações idênticas, às quais foi aplicado outro regime legal. Ora, o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, impede que uma dada solução normativa confira tratamento substancialmente diferente a situações no essencial semelhantes. No plano formal, a igualdade impõe um princípio de ação segundo o qual as situações pertencentes à mesma categoria essencial devem ser tratadas da mesma maneira. No plano substancial, a igualdade traduz‑se na especificação dos elementos constitutivos de cada categoria essencial. A igualdade só proíbe, pois, diferenciações destituídas de fundamenta- ção racional, à luz dos próprios critérios axiológicos constitucionais [cfr., nomeadamente, os Acórdãos n os 39/88, 186/90, 187/90 e 188/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º vol. (1988), p. 233 e ss., e 16.º vol. (1990), pp. 383 e ss., 395 e ss. e 411 e ss., respetivamente]. Contudo, no caso em apreciação, a desigualdade invocada pela recorrente não resulta de um qualquer critério considerado em si discriminatório acolhido por uma dada norma jurídica. Com efeito, a desigualdade no presente processo decorre, na perspetiva da recorrente, da sucessão no tempo de regimes legais relativos à fixação da pensão de aposentação requerida (ou seja, do critério legal relativo à aplicação da lei no tempo). A recorrente sustenta que, dado ter requerido a pensão no domínio da vigência de um determinado regime que lhe é mais favorável (e que foi aplicado a colegas de profissão na mesma situação), a pensão a atribuir só poderia ser fixada de acordo com tal regime, não sendo portanto aplicável a lei vigente (desfavorável em comparação com aquele regime) no momento em que o despacho que reconheceu o direito à pensão foi proferido. Colocada a questão neste plano, importa ter presente que o legislador tem uma ampla liberdade no que respeita à alteração do quadro normativo vigente num dado momento histórico. Na verdade, o legislador, de acordo com opções de política legislativa tomadas dentro de uma ampla zona de autonomia, pode proceder às alterações da lei que se lhe afigurarem mais adequadas e razoáveis, tendo presente, naturalmente, os interesses em causa e os valores ínsitos na ordem jurídica. Uma alteração legislativa para operar, consequentemente, uma modificação do tratamento normativo confe- rido a uma dada categoria de situações. Com efeito, as situações abrangidas pelo regime revogado são objeto de uma valoração diferente daquela que incidirá sobre as situações às quais se aplica a lei nova. Nesse sentido, haverá situações substancialmente iguais que terão soluções diferentes. Contudo, não se pode falar neste tipo de casos de uma diferenciação verdadeiramente incompatível com a Constituição. A diferença de tratamento decorre, como resulta do que se disse, da possibilidade que o legislador tem de modificar (revogar) um quadro legal vigente num determinado período. A intenção de conferir um dife- rente tratamento legal à categoria de situações em causa é afinal a razão de ser da própria alteração legislativa. O entendimento propugnado pela recorrente levaria à imutabilidade dos regimes legais, pois qualquer alte- ração geraria sempre uma desigualdade. Ora, tal posição não é reclamável pelo princípio da igualdade no quadro constitucional vigente. 9. É verdade que não deixa de ter pertinência constitucional a dimensão da sucessão de leis no tempo. O legislador não tem a possibilidade de abranger na lei nova todas as situações que entender. Existem limites constitucionais (para além dos limites à aplicação retroativa da lei penal e da lei fiscal – que não estão em causa nos presentes autos) que decorrem, desde logo, da tutela da confiança. Porém, tal questão já obteve resposta no presente Acórdão, tendo-se concluído que as normas em apreciação não violam o princípio da confiança legítima e da boa‑fé.
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