TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

532 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Como se assinalou no Acórdão n.º 106/14, 2.ª Secção, ponto 8, em matéria de tutela contraordenacio- nal laboral: «(…) não obedecem, na ordenação de comportamentos e à censura da infração de normas precetivas ou proi- bitivas, a proteção de interesses meramente individuais (…). No âmbito da relação de trabalho, a tutela, mesmo a tutela contraordenacional, transcende os interesses privados, materializando a proteção de interesses constitucio- nalmente protegidos, como avulta, em especial, nos campos normativos juslaborais regulados em termos imperati- vos. A específica infração em questão nos presentes autos, relativa ao intervalo mínimo de descanso entre jornadas de trabalho consecutivas (artigo 214.º, n.º 1 do Código do Trabalho), ilustra com nitidez essa dimensão objetiva, concretizadora de direito social de natureza fundamental, como seja o direito à organização do trabalho em ter- mos de permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e o direito ao repouso, que constituem incumbências do Estado (artigo 59.º, n. os 1, alíneas b) e d) e 2, da Constituição) (…)». Tendo em conta a especial natureza dos bens jurídicos que se tutelam neste regime especial contraorde- nacional, que gozam, inclusive, de tutela constitucional, designadamente, no artigo 59.º da Constituição, conclui-se não se revelar arbitrária e destituída de qualquer fundamento a norma em análise. 26. Assim, não pode concluir-se por um juízo de inconstitucionalidade por ofensa do princípio da igual- dade, correspondendo a norma sindicada a uma diferenciação de regimes constitucionalmente admissível. Nestes termos, conclui-se que a norma em apreciação não comporta uma violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. iii) Da violação do princípio da legalidade 27. O Ministério Público, nas suas alegações, levanta a questão de uma eventual violação do princípio da legalidade. Invoca que, face à consagração da proibição da reformatio in pejus no artigo 79.º-A, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações, este poderia ser tido como aplicável no âmbito do regime das contraor- denações laborais e de segurança social, por se tratar de um regime supletivo face àquele. Assim, «poderia entender-se que a interpretação que considera que a alteração da condenação permite agravar a sanção viola o princípio da legalidade (artigo 29.º, n.º 1, da Constituição), aceitando que este princípio se aplica em matéria processual (Acórdão n.º 324/13) e que, ainda que “não com o mesmo rigor” ou “com menor grau de exigência”, também vigora em matéria contraordenacional (Acórdão n.º 201/14)». Não se pode acompanhar este raciocínio. Na metódica de há muito adotada pelo Tribunal Constitucional (desde o Acórdão n.º 110/07), o prin- cípio da legalidade, na dimensão da tipicidade penal, operando como limite constitucional à admissibilidade do resultado interpretativo a que se chegou no processo de interpretação, obriga o intérprete a excluir aqueles resultados que não tenham na letra da lei um mínimo de correspondência verbal. Ora, no caso da norma em análise, a letra do artigo 39.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, comporta a interpretação no sentido de que a proibição da reformatio in pejus é afastada no domínio das contraordenações laborais. Efetivamente, o preceito estabelece a possibilidade de o despacho «manter ou alterar a condenação», o que comporta no sentido das suas palavras a possibilidade de alteração por agravamento da coima aplicada – afastando a aplicação supletiva do regime geral. Também a doutrina admite esta solução como interpretati- vamente extraível da letra da lei. Neste contexto, perante a problemática de saber se a proibição da reformatio in pejus vigora especifica- mente no regime das contraordenações laborais – confrontando o n.º 3 do artigo 39.º da Lei n.º 107/2009 com o facto de o Regime Geral das Contraordenações, no seu artigo 72.º-A, proibir a reformatio in pejus – João Soares Ribeiro ( Contraordenações Laborais: regime jurídico , 3.ª edição, Coimbra: Almedina, 2011, pp. 89 e 94) defende que «(…) se nesta Lei n.º 107/2009, nenhuma referência é feita a essa proibição

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