TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
531 acórdão n.º 141/19 contraordenação, tal não impede que, em determinados setores, atendendo à especificidade dos mesmos, haja um desvio do regime geral, como acontece a respeito de este ou outros aspetos em outros regimes ( v. g., limites mínimos e máximos das coimas, prazos e regime de prescrição, etc.), em que o legislador, dentro da liberdade de conformação que lhe é conferida estabelece regras que se afastam do regime geral, construindo regimes especiais (neste sentido, vide Acórdão n.º 373/15, 2.ª Secção, ponto 3). Num domínio reservado à margem de conformação do legislador, apenas há que apreciar se tal diferença de regime legislativo se poderá ter por irrazoável. Vale, nesta matéria, o que se entendeu no Acórdão n.º 226/11, da 1.ª Secção, ponto 4: «o princípio da igualdade não impede (…) que, em matéria de ilícito contraordenacional, o legislador ordinário estabeleça regimes especiais destinados a regular aspetos específicos do interesse público». Como ainda recentemente o Tribunal recordou, no Acórdão n.º 74/19, do Plenário, ponto 8, «a consa- gração de desvios às regras processuais gerais é enformada pela convicção do legislador de que o Regime Geral das Contraordenações e coimas não é adequado à atuação das entidades reguladoras no respetivo âmbito setorial, impondo-se uma modificação ou adaptação do seu regime ao circunstancialismo que envolve a atuação daquelas (cfr. Paulo Sousa Mendes, “O procedimento sancionatório especial por infrações às regras da concorrência”, in Regulação em Portugal: novos tempos, novo modelo?, Almedina, Coimbra, 2009, p. 707)». Ora, o afastamento pela norma em análise interpretativamente extraída do artigo 39.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, da regra da proibição da reformatio in pejus no âmbito do regime específico das contraordena- ções laborais, por confronto com o que acontece com o regime geral, pode ainda ser enquadrado nos objetivos do legislador já acima identificados por referência à exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 282/X/4.ª, que deu origem à Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, designadamente no objetivo de «prevenir e a desincentivar o incumprimento dos deveres sociais e contributivos das empresas e (…) garantir o direito dos trabalhadores à proteção conferida pelo sistema de segurança social» e criar «os mecanismos e as condições que permitam aos serviços envolvidos dispor dos instrumentos legais que os habilitem, designadamente, a exercer uma ação fisca- lizadora, simultaneamente eficaz e preventiva». Nesse contexto, a ausência de proibição da reformatio in pejus pode encontrar justificação material na gravidade das infrações, medida pelas sanções aplicadas, e congruente com a estrutura sancionatória específica do ordenamento contraordenacional laboral. Como refere Alexandra Vilela ( ob. cit. , p. 327), desde a Lei n.º 116/99, de 4 de agosto, que criou o primeiro Regime Geral das Contraordenações Laborais, o número de contraordenações cresceu exponencial- mente. Por outro lado, «aquelas perderam a sua natureza exclusivamente de violações de deveres para com os específicos setores da administração laboral para passarem a apresentar-se também como normas com o intuito específico de proteção de direitos fundamentais do trabalhador». Segundo esta Autora, é possível vislumbrar, naquele grupo de ilícitos, «a proteção da vida privada, da liberdade de decisão, do património, da proteção da integridade física, quer do próprio corpo, quer da saúde», razão pela qual considera que «não subsiste qualquer espécie de dúvidas de que a sua violação encerra – ou corre o perigo sério, real e imediato de encerrar – uma elevada danosidade social justamente ao bem jurídico-penal que tem em mente proteger». Assim, como o Tribunal Constitucional tem assinalado, «deve ter-se em vista que, em matéria de con- traordenação laboral, os ilícitos cometidos afetam bens jusfundamentais a que se associam especiais deveres estaduais de proteção» (cfr. Acórdão n.º 297/16, do Plenário, ponto 15.2). Além disso, como se lê no Acór- dão n.º 226/11, ponto 4, «o Regime Geral das Contraordenações e coimas terá sido originariamente pensado para as pequenas infrações, facilmente investigáveis, com implicações sociais limitadas; setores específicos da atividade económica, por exemplo, podem requerer uma adaptação do regime geral, tendo em atenção a especial relevância dos interesses em que se movem», o que compreende a intenção do legislador no sentido de criar melhores condições para a investigação e perseguição dos ilícitos laborais, dada a relevância da maté- ria e a maior complexidade da ação fiscalizadora do Estado. À especificidade do domínio das contraordenações laborais pode, assim, associar-se um regime especí- fico destinado a criar as condições de eficácia necessária à atuação repressiva do Estado na fiscalização das infrações à disciplina das relações sociolaborais, afastando-se, deste modo, um juízo de arbítrio quanto à concreta opção normativa em causa.
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