TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
530 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL estamos perante uma solução legal inconstitucionalmente diferenciadora, na medida em que afasta a regra geral prevista para o processo penal ou no artigo 72.º-A do Regime Geral das Contraordenações. Quanto à questão da igualdade entre processo criminal e contraordenacional, cumpre começar por notar que as características híbridas do processo de contraordenações, designadamente da sua fase judicial, tornam questionável qual o plano teórico em que será pertinente estabelecer uma comparação. A circunstância de impugnação se dirigir contra uma decisão condenatória já proferida pela autoridade administrativa convida, numa primeira aproximação, à comparação com o regime de recursos em processo penal, designadamente a contida no artigo 409.º do CPP (que proíbe a reformatio in pejus ). Não é menos certo, porém, que, refe- rindo-se a norma ao conteúdo da decisão judicial que conhece da impugnação da condenação proferida pela autoridade administrativa, e concretamente à possibilidade de agravamento da coima, a comparação com o regime estabelecido no processo penal que ocorreria estabelecer deveria surgir antes com as normas que impõem limites à condenação criminal, como por exemplo os decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 1.º, alínea f ) , 358.º, 359.º e 379.º do CPP. Na verdade, como tem sido entendido o «carácter pleno da atividade judicativa exercida pelo tribunal nesta fase judicial aproxima a sua intervenção muito mais do julgamento penal em 1.ª instância do que do recurso penal, que, no nosso sistema processual penal, assume uma natureza de mero remédio jurídico» (Nuno Brandão, O controlo judicial da decisão administrativa conde- natória manifestamente infundada no processo contraordenacional , cit., p. 321; sobre a questão do âmbito dos poderes de conhecimento do tribunal, com referência às diversas posições doutrinárias existentes vide Marta Borges Campos, “Os poderes de cognição do Tribunal na fase de impugnação judicial do processo de con- traordenação”, in Estudos sobre Law Enforcement, Compliance e Direito Penal, Fernanda Palma et al. (coord.), Coimbra: Almedina, 2018, pp. 401 e seguintes]. Seja como for, o que parece certo é que qualquer comparação a empreender com o processo penal revelar-se-ia sempre uma tarefa vazia de consequências na verificação da conformidade constitucional da norma em juízo. Como o Tribunal Constitucional tem sublinhado, em jurisprudência que não tem sofrido alterações ao longo de décadas, são diferentes os princípios jurídico-constitucionais, materiais e orgânicos, a que se sub- metem entre nós a legislação penal e processual penal e a legislação das contraordenações. Já se referiu que o processo penal e o processo contraordenacional têm diferenças de fundo, não se justificando, que sejam aplicáveis ao processo contraordenacional duma forma global e cega todos os princípios que orientam o direito processual penal. Acautelados que estejam, como estão, os direitos de audiência e defesa do arguido, quer na fase administrativa (artigo 32.º, n.º 10, da Constituição), quer na fase judicial (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição), justifica-se que o legislador, na ponderação dos valores em presença, opte por um padrão de simplicidade e celeridade processuais. Como se refere no Acórdão n.º 595/12, 3.ª Secção, ponto 5, «o Tribunal também tem sublinhado que a reconhecida inexigibilidade de estrita equiparação entre processo contraordenacional e processo criminal é conciliável com “a necessidade de serem observados determinados princípios comuns que o legislador con- traordenacional será chamado a concretizar dentro de um poder de conformação mais aberto do que aquele que lhe caberá em matéria de processo penal” (Acórdãos n. os 469/97 e 278/99)». Constitucionalmente relevante será – isso sim –, que alcançada a «fase jurisdicional», na sequência da impugnação perante o tribunal da decisão sancionatória administrativa, o processo contraordenacional goze das garantias constitucionais dos processos judiciais, quer diretamente referidas no artigo 20.º da Constitui- ção (direito a decisão em prazo razoável e garantia de processo equitativo), quer dimanados do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição). Ora, como decorre do que que já acima ficou referido (pontos 16 a 19), a norma em análise não despreza nenhuma das referidas garantias. 25. Por fim, quanto às diferenças registadas entre processos contraordenacionais, embora o legislador tenha consagrado no artigo 72.º-A do Regime Geral das Contraordenações, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, a regra da proibição da reformatio in pejus no processo de
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