TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

528 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de setembro, e artigo 71.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82). Esta faculdade de o Ministério Público se opor à retirada da acusação ancora a possibilidade de agravamento da responsabilidade do arguido, uma vez que constitui a expressão de uma pretensão punitiva latente que é extensiva a todo o objeto do processo. Neste enquadramento, uma proibição de reformatio in pejus da condenação contraordenacional pro- ferida pela autoridade administrativa não implica necessariamente a violação da garantia constitucional da tutela jurisdicional efetiva consagrada no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. Uma tal implicação pressupõe uma configuração da intervenção do tribunal na fase judicial do processo contraordenacional como uma garantia do arguido com uma dimensão que não é imposta pelo artigo 32.º, n.º 10, da Constituição. 20. Aceita-se que face à ausência de proibição da reformatio in pejus , a recorrente fica obrigada a escolher criteriosamente a sua estratégia processual, de forma a maximizar as hipóteses de vencer e de reduzir o risco de ver perigar as suas pretensões. Daqui resulta um condicionamento do seu direito fundamental de acesso aos tribunais que deve ser balanceado pelos interesses públicos em presença. Na exposição de motivos da Pro- posta de Lei n.º 282/X/4.ª, que deu origem à Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, refere-se que o seu obje- tivo passa pela «atribuição de competências à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) e aos serviços do Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS, I. P.) para qualquer um deles poder intervir na identificação de situações de dissimulação de contrato de trabalho, de forma a prevenir e a desincentivar o incumprimento dos deveres sociais e contributivos das empresas e a garantir o direito dos trabalhadores à proteção conferida pelo sistema de segurança social». Pretende-se, por isso que sejam «criados os mecanismos e as condições que permitam aos serviços envolvidos dispor dos instrumentos legais que os habilitem, designadamente, a exercer uma ação fiscalizadora, simultaneamente eficaz e preventiva, no combate à utilização abusiva dos “falsos recibos verdes”». A ausência de proibição de reformatio in pejus pode ser enquadrada neste contexto. Analisando a esta luz a norma que permite o agravamento da coima decorrente de contraordenação laboral e de segurança social em sede de impugnação judicial interposta pelo arguido em sua defesa, interpre- tativamente extraída do artigo 39.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, pode considerar-se que esta é uma medida necessária e adequada a garantir a tutela de bens jurídicos com dignidade constitucional (tutela dos direitos dos trabalhadores e garantia do sistema de segurança social), bem como a celeridade e eficiência da reação sancionatória no caso de lesão desses bens jurídicos tutelados. Assim, tal norma não pode ser entendida como uma restrição desproporcional ao direito de impugnação judicial da decisão administra- tiva sancionatória, à luz dos critérios previstos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição ii) Da violação do princípio da igualdade 21. A recorrente sustenta, ainda, que a norma cuja constitucionalidade se sindica viola o princípio da igualdade, porquanto, no seu entender, «permite ao julgador um tratamento diverso para situações de facto iguais» e «não existe igualdade de armas», já que «ao aplicar a norma sem ter em conta as especificidades e diferenças em cada caso, sem analisá-los em pormenor, viola o princípio da igualdade» (fls. 450). 22. Como é sabido, o princípio da igualdade «é um dos principais eixos estruturantes do regime cons- titucional dos direitos fundamentais – um princípio estruturante do Estado de direito democrático e do sistema constitucional da República Portuguesa» (cfr. Acórdão n.º 526/16, ponto 5), que «postula, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente» (cfr. Acórdão n.º 437/06, ponto 7). Trata-se de um princípio que vincula diretamente todos os poderes públicos – particularmente o legislador –, que estão assim obrigados a tratar de modo igual situações de facto essencialmente iguais e de modo desigual situações intrinsecamente desiguais, na exata medida dessa desigualdade. O âmbito de proteção do princípio da igualdade abrange, na ordem constitucional portuguesa, as seguintes dimensões: proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem

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