TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
526 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da decisão administrativa, porque a apresentação dos autos ao juiz vale como acusação, assim se convertendo em judicial o poder de aplicação da sanção” (Acórdão n.º 595/12, ponto 4). A impugnação da decisão administrativa nos moldes enunciados configura, assim, o meio de acesso à jurisdição». Assim, conforme já foi abordado, o processo contraordenacional tem uma fase administrativa e, no caso de impugnação da decisão aplicada nesta fase, uma fase jurisdicional em que o arguido dispõe não apenas da possibilidade de sindicar a legalidade da decisão, mas também de um conjunto de amplas faculdades de exercício do seu direito de defesa e de contraditório. A impugnação dá lugar, não a um recurso propriamente dito, mas a um processo jurisdicional, em que o tribunal não se limita a apreciar a decisão, mas todo o pro- cessado nos autos, podendo ser produzida prova neste processo judicial, quer pela autoridade administrativa recorrida, quer pelo arguido, sendo que o tribunal valora em conjunto toda a prova produzida nos autos, quer a já produzida na fase administrativa, quer a realizada na fase jurisdicional, particularmente a que venha a ter lugar em audiência. Ou seja, o tribunal, ao apreciar a impugnação da decisão administrativa, não está vinculado à qualificação efetuada pela entidade administrativa que proferiu a decisão, apreciando quer os factos (com base nas provas que são apresentadas no âmbito do recurso), quer a matéria de direito (qualifi- cação jurídica dos factos e sanções aplicadas). Quando o processo é enviado para o Tribunal, na sequência da impugnação do arguido, tem lugar uma nova apreciação, em que a decisão anterior passa a ser tida como acusação que delimita o objeto do conhecimento do tribunal. O objeto de apreciação do tribunal não é, porém, a decisão administrativa. O objeto de apreciação do tribunal é a questão contraordenacional sobre a qual incidiu a decisão administrativa. Esta diferenciação afasta a impugnação judicial da decisão administra- tiva de um recurso. A norma em apreciação, resultante do artigo 39.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, não nega o direito de o arguido impugnar judicialmente a decisão administrativa contra si proferida. Limita-se a permitir o agravamento da coima decorrente de contraordenação laboral e de segurança social em sede de impugnação judicial interposta pelo arguido em sua defesa. A questão de constitucionalidade colocada passa, portanto, pela análise sobre se a possibilidade de reformatio in pejus , no âmbito desta impugnação, representa uma restrição desproporcionada do direito de acesso à justiça. 19. O Tribunal Constitucional, no já referido Acórdão n.º 373/15, ao analisar norma que rejeitava expressamente a proibição de reformatio in pejus à luz da garantia de tutela jurisdicional efetiva, assinalou que (ponto 2): «Tendo o legislador optado por dar esta configuração ao regime geral da impugnação da decisão da autoridade administrativa em processo de contraordenação, não está impedido de, dentro da margem de livre conformação de que dispõe, e face às amplas possibilidades de defesa e de exercício do contraditório conferidas ao arguido no âmbito deste processo de impugnação, afastar em alguns regimes especiais a proibição da reformatio in pejus em relação à decisão da entidade administrativa, (…) impedindo assim que a decisão administrativa se imponha, no que respeita à sanção aplicada, ao Tribunal. Com efeito, repete-se, sendo certo que o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado constitucionalmente, pressupõe a garantia da via judiciária, que implica que sejam outorgados ao interessado os meios ou instrumentos processuais adequados para fazer valer em juízo, de forma efetiva, o seu direito, e que uma das dimensões em que se concretiza a garantia da via judiciária é justamente o direito de acesso, sem constrangi- mentos substanciais, ao órgão jurisdicional para ver dirimido um litígio, a norma sindicada, não cria, em rigor, um qualquer obstáculo ou impedimento ao direito à impugnação judicial, se entendermos como tal a imposição ao recorrente de um qualquer ónus ou necessidade de cumprimento de um determinado requisito que tenha de ser preenchido para que a impugnação seja admitida. Nesse sentido, não se pode dizer que esta norma contenha qualquer restrição de acesso à via jurisdicional.
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