TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

523 acórdão n.º 141/19 (…) Importa, pois, no sentido de saber até que ponto existirá uma imposição constitucional de proibição de refor- matio in pejus em situações como a dos autos, ter em atenção o modo como está estruturado o processo de con- traordenação, desde logo para apurar se os fundamentos constitucionais em que assenta a referida proibição no que respeita ao processo criminal são extensíveis ao tipo de processo contraordenacional em causa nos autos. Como é sabido, no caso do processo de contraordenação, impugnada a decisão administrativa que aplicou uma sanção e caso a autoridade administrativa não revogue a decisão de aplicação da coima (cfr. artigo 62.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações), os autos são enviados ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este ato como acusação (cfr. n.º 1 do referido artigo 62.º). Assim, quando recebe os autos, o Ministério Público passa a assumir o papel de titular do processo, podendo, para além de os apresentar ao juiz, nos termos referidos, optar por retirar a acusação, desde que se verifiquem os pressupostos formais do artigo 65.º-A do Regime Geral das Contraordenações, podendo, ainda, inclusive, requerer a conversão do processo em processo criminal, nos termos previstos no artigo 76.º do aludido regime (o que determinará a instauração de inquérito). Por outro lado, mesmo depois de o processo ser remetido ao tribunal, o arguido poderá também retirar o recurso, até à sentença em primeira instância ou até ser proferido o despacho previsto no artigo 64.º, n.º 2, sendo que, se o fizer depois do início da audiência carece do acordo do Ministério Público (cfr. artigo 71.º). Conforme se pode constatar, não existe paralelismo entre o processo criminal e o processo contraordenacional, não se podendo equiparar o recurso para um tribunal superior no âmbito de um processo criminal interposto pelo arguido ou no interesse deste e a impugnação da decisão administrativa que aplica uma sanção no âmbito de um processo contraordenacional para um tribunal. Neste último caso, remetidos os autos ao tribunal, o Ministério Público passa a ser, nos termos expostos, o titular da pretensão punitiva e, optando por remetê-los ao juiz, não se poderá dizer que se tenha conformado com a decisão administrativa, contrariamente ao que acontece na situação prevista no artigo 409.º do Código de Processo Penal. Assim, tendo em atenção que a admissibilidade da reformatio in pejus na questão de constitucionalidade em análise se reporta à impugnação judicial de decisão administrativa, o direito de defesa que poderá revelar-se amea- çado com tal solução não é o direito ao recurso dentro da hierarquia jurisdicional, mas sim o direito de acesso aos tribunais, ou seja a garantia de tutela jurisdicional efetiva, pelo que o que importa verificar é se a interpretação normativa questionada viola o disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, e mais especificamente a garantia da impugnação dos atos administrativos sancionatórios perante os tribunais, consagrada no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição». Acompanha-se, de uma forma geral, esta conclusão. De facto, o «direito de recurso» consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição não pode ser diretamente aplicado aos processos contraordenacionais, na medida em que este parâmetro, conforme tem sido entendido pela jurisprudência constitucional, respeita ao processo criminal, não havendo, assim, uma imposição constitucional ao legislador ordinário de equiparação de garantias no âmbito do processo criminal e do contraordenacional. Para além disso, não pode equiparar-se o recurso da decisão de uma instância judicial para um tribunal hierarquicamente superior no âmbito de um processo criminal interposto pelo arguido ou no interesse deste à impugnação de uma decisão administrativa de aplicação de uma sanção no âmbito de um processo con- traordenacional para um tribunal. Não se ignorando a querela doutrinária existente em torno da natureza do processo contraordenacional, cujas características híbridas – integrando uma fase administrativa, que concentra inquérito e julgamento a que se segue e uma fase judicial que conjuga elementos de impugnação e de recurso – dificilmente se ajustam a qualificações dogmáticas rígidas, certo é que na impugnação da decisão administrativa não está em causa um verdadeiro exercício de um direito fundamental ao recurso jurisdicio- nal, tal como protegido pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

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