TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
522 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL judicial em processo contraordenacional, o prazo para recorrer se conta a partir da data da leitura da decisão em audiência, esteja ou não presente o arguido ou o seu mandatário (Acórdão n.º 77/05); normas interpretadas no sen- tido de não imporem à autoridade administrativa o dever de pronúncia sobre as nulidades invocadas na defesa do arguido (Acórdão n.º 325/05); norma interpretada no sentido de não permitir recurso para o Tribunal da Relação de despacho de indeferimento de arguição de nulidade processual, proferido posteriormente à decisão de rejeição de impugnação judicial de decisão administrativa sancionadora de contraordenação (Acórdão n.º 659/06); normas interpretadas no sentido de que a fundamentação por remissão prevista no artigo 125.º, n.º 1, do CPA, é aplicável à decisão sancionatória de ilícito de mera ordenação social (Acórdãos n. os 50/03, 62/03, 249/03, 469/03 e 492/03); normas que consagram uma presunção iuris tantum de imputação da violação de um dever de comportamento à entidade patronal dos condutores de transporte rodoviário, para efeitos de a responsabilizar pelas contraordenações praticadas por estes últimos (Acórdão n.º 45/14). Em todas essas decisões se considerou inaplicável, atenta a diferente natureza do ilícito contraordenacional, o prin- cípio constitucional de direito criminal ou processual criminal invocado em fundamento do reclamado juízo de incons- titucionalidade. (…) [U]ma contraordenação não é equiparável, quer na perspetiva do bem tutelado, quer na perspetiva das reações sancionatórias que determina, à prática de um crime; neste último caso, e como é sabido, está em causa a ofensa de bens e valores tidos como estruturantes da sociedade e a notícia da prática de um crime desencadeia, pela sua gra- vidade, um complexo processo com vista a determinar o seu autor e a responsabilizá-lo criminalmente com penas que, sendo de prisão ou multa, assumem sempre um sentido de retribuição ou expiação ética e uma finalidade ressocializadora cuja realização pode implicar, no limite, a privação da liberdade do arguido; nada disso se passa com as contraordenações que, sendo ilícitos, não comprometem os alicerces em que assenta a convivência humana e social, e dando lugar à aplicação de coimas, não se dirige, através delas, qualquer juízo de censura ético-jurídica à pessoa do agente mas uma simples advertência de alcance comportamental, cuja garantia é apenas e só de ordem patrimonial. Por isso, acautelados que estejam, como estão, os direitos de audiência e defesa do arguido, quer na fase administra- tiva (artigo 32.º, n.º 10, da CRP), quer na fase judicial (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), justifica-se que o legislador, na ponderação dos valores em presença, opte por um padrão de simplicidade e celeridade processuais (…)» (itálicos nossos). A variação do grau de vinculação aos princípios do direito criminal, e a autonomia do tipo de sanção previsto para as contraordenações, repercute-se também a nível adjetivo, não se justificando, que sejam apli- cáveis ao processo contraordenacional de uma forma global e cega todos os princípios que orientam o Direito Processual Penal. A densidade das garantias processuais é diferenciada, consoante o domínio do direito puni- tivo em que se inserem. Como tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal Constitucional, atendendo à diferente natureza do ilícito de mera ordenação e à sua menor ressonância ética, em comparação com o ilícito criminal, é menor o peso do regime de garantias no âmbito do Direito Contraordenacional, pelo que as garantias constitucionais previstas para os ilícitos de natureza criminal não são necessariamente aplicáveis aos ilícitos contraordenacionais ou a outros ilícitos no âmbito de direito sancionatório O recurso aos princípios do processo penal deve, portanto, ocorrer com cautelas, variando o grau de vinculação, a esses princípios, consoante a natureza dos valores em presença. 15. No já referido Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 373/15, ao analisar norma que rejeitava expressamente a proibição de reformatio in pejus à luz da alegada violação do direito de defesa do arguido e do direito ao recurso, referiu-se que (ponto 1): «Sendo certo que a norma sindicada constitui um desvio à regra estabelecida no aludido regime geral, cumpre apreciar se os fundamentos subjacentes à proibição da reformatio in pejus no âmbito criminal são transponíveis para o domínio do ilícito de mera ordenação social, mais concretamente para a fase da primeira apreciação judicial da impugnação de decisão administrativa sancionatória.
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