TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

521 acórdão n.º 141/19 Apreciando a conformidade constitucional desta solução, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 373/15, 2.ª Secção, não julgou inconstitucional a norma que permite, neste caso, que a coima pode ser agravada «em sede de impugnação judicial interposta pelo arguido em sua defesa, sem correspondente alteração e/ou agravamento dos factos, elementos e circunstâncias da decisão administrativa condenatória». 14. A norma objeto do presente recurso resulta da interpretação de preceitos legais que integram o âmbito do chamado Direito da Mera Ordenação Social ou Direito das Contraordenações. Constituindo um instrumento de intervenção administrativa de natureza sancionatória, no sentido de garantir maior eficácia à ação da Administração, o Direito das Contraordenações surge como um ramo de direito sancionatório, autónomo do Direito Penal, mas que com ele mantém profundas ligações, que se materializam na existência de múltiplas soluções normativas comuns criadas no espaço da dogmática penal e que se fundamentam no facto de, tal como aquele, fazer parte do «direito sancionatório de carácter punitivo» que tem aquele ramo do direito como paradigma. De entre os processos sancionatórios, o processo contraordenacional é um dos que mais se aproxima do processo criminal ao ponto de o Direito Processual Penal constituir, no plano adjetivo, direito subsidiário no seu âmbito (artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82). Não obstante esta aproximação, não pode confundir-se o processo criminal com o procedimento contraordenacional, até pela natureza distinta de cada um desses regimes e das respetivas sanções. Efetivamente, sendo as contraordenações medidas sancionatórias de carácter não penal, não se justifica a aplicabilidade direta e global aos processos contraordenacionais dos princípios constitucionais próprios do processo criminal. Um tal entendimento resulta, aliás, da jurisprudência constitucional (vejam-se, a propósito, os Acór- dãos do Tribunal Constitucional n. os 344/93, da 1.ª Secção, ponto II. 1., 659/06, 2.ª Secção, ponto 2.3., 336/08, 2.ª Secção, e 487/09, 2.ª Secção, ponto 2.1.). A título de mero exemplo, poder-se-á citar o Acórdão n.º 612/14 (3.ª Secção), ponto 3, que, fazendo uma síntese sobre a jurisprudência constitucional em matéria contraordenacional, refere o seguinte: «Como o Tribunal Constitucional tem sublinhado, em jurisprudência que não tem sofrido alterações ao longo de décadas, “são diferentes (…) os princípios jurídico-constitucionais, materiais e orgânicos, a que se submetem entre nós a legislação penal e a legislação das contraordenações ”, porque, como expressivamente se afirmou no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 232/79, de 24 de julho, que pela primeira vez institui o regime geral do ilícito de mera ordenação social, “ entre os dois ramos de direito medeia uma autêntica diferença: não se trata apenas de uma diferença de quan- tidade ou meramente formal, mas de uma diferença de natureza. A contraordenação ‘é um aliud que se diferencia qualitativamente do crime na medida em que o respetivo ilícito e a reações que lhe cabem não são diretamente fundamentáveis num plano ético jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal’ (Eduardo Correia, ‘Direito penal e direito de mera ordenação social’, in Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, 1973, p. 268)”. E é precisamente em razão dessa diferença, que necessariamente assume um alcance “jurídico-pragmático” (Acórdão n.º 344/93) e se projeta em diversos aspetos de regime adjetivo e substantivo, que o Tribunal Constitucional, reco- nhecendo nas infrações contraordenacionais uma “forma autónoma de ilicitude”, não julgou inconstitucionais, entre outras, normas que atribuem às autoridades administrativas competência para organizar e instruir processos de contraordenação (Acórdão n.º 158/92); norma interpretada no sentido da inaplicabilidade das causas de impe- dimento previstas no artigo 39.º, n.º 1, e 40.º do CPP, a casos em que o autor da decisão de um processo de con- traordenação laboral confirmou anteriormente o auto de notícia levantado ao destinatário dessa decisão (Acórdão n.º 581/04); normas que, no pressuposto da admissibilidade da figura do assistente em processos desta natureza, não lhe reconhecem legitimidade para recorrer (Acórdão n.º 344/93); normas que, em dada interpretação, impõem ao notificado, na fase administrativa, o ónus de logo suscitar a irregularidade ou a nulidade da notificação, caso entenda que o lapso material de que a mesma padece prejudica o seu direito de defesa (Acórdão n.º 278/99); inter- pretação segundo a qual, sendo notificado o mandatário do dia designado para leitura da decisão da impugnação

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