TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
520 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Para esta Autora, no momento da impugnação judicial, «(…) estamos perante um processo novo, desen- cadeado e mantido até às últimas consequências pelo arguido e onde a proibição da reformatio in pejus é destituída de sentido. Em consequência, não devia valer quando a decisão judicial é tomada no âmbito de um processo com audiência principal (…)». Também para Frederico de Lacerda da Costa Pinto, a proibição da reformatio in pejus acarreta sérios inconvenientes que devem ser ponderados, como o aumento do número de recursos interpostos indepen- dentemente da gravidade da sanção, o que em si mesmo contraria o caráter de simplificação e celeridade do direito de mera ordenação e sobrecarrega os tribunais, e torna os recursos economicamente compensadores, sempre que estejam em causa sanções elevadas, por via do diferimento no tempo do respetivo pagamento (“O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidiariedade”, in Direito Penal Económico e Europeu. Textos Doutrinários , vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 1998, pp. 264 e 265). Em sentido divergente, sustentando a proibição da reformatio in pejus no processo contraordenacio- nal, enquanto decorrência do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pronunciaram-se, no entanto, outros autores [vide Nuno Brandão, “O controlo judicial da decisão administrativa condenatória manifestamente infundada no processo contraordenacional”, in Boletim da Faculdade de Direito da Uni- versidade de Coimbra , vol. 94, I, 2018, pp. 309-332, p. 313; José Lobo Moutinho, “A reformatio in pejus no processo de contraordenações”, in Estudos dedicados ao Professor Doutor Nuno Espinosa Gomes da Silva , Lisboa: Universidade Católica Editora, pp. 421-452, pp 434 e seguintes; José Lobo Moutinho/ Pedro Garcia Marques, Lei da Concorrência: Comentário Conimbricense , Manuel Porto et al. (coord.), Coimbra: Almedina, 2013, em anotação ao artigo 88.º, pp. 843 e seguintes]. 13. Em momento anterior ao da consagração da regra da proibição de reformatio in pejus no Regime Geral das Contraordenações, um conjunto de regimes contraordenacionais específicos aplicáveis em deter- minadas áreas sectoriais afastava expressamente essa proibição. Um exemplo de uma dessas situações pode ser encontrado no regime aplicável às contraordenações na área da segurança social, contante do Decreto-Lei n.º 64/89, de 25 de fevereiro, – entretanto revogado pelo artigo 64.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setem- bro –, que determinava, no seu artigo 31.º, n.º 2, alínea c) , que neste âmbito «não [vigorava] a proibição da reformatio in pejus ». Mesmo após a entrada em vigor da alteração ao Regime Geral das Contraordenações que introduziu a proibição de reformatio in pejus , alguns diplomas sectoriais afastaram-se dessa solução. Podem ser encon- trados exemplos em que de modo inequívoco se afasta a aplicação da proibição de reformatio in pejus : i) no âmbito do setor financeiro (artigo 230.º, n.º 3, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na redação introduzida Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de outubro); ii) em matéria de concorrência (artigo 88.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, que aprovou a Lei da Concorrência); iii) no regime de contraordenações ambientais (artigo 75.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, ou a Lei-quadro das contraordenações ambientais); iv) no âmbito do controlo da atividade dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde (artigo 67.º, n.º 3, dos Estatu- tos da Entidade Reguladora da Saúde, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto). Um destes regimes especiais posteriores à referida alteração do Regime Geral das Contraordenações já passou pelo crivo do Tribunal Constitucional. Trata-se do Código dos Valores Mobiliários onde se estabelece expressamente que a proibição de reformatio in pejus «não é aplicável aos processos de contraordenação ins- taurados e decididos nos termos deste Código» (artigo 416.º, n.º 9, do Código dos Valores Mobiliários). No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de março, que introduziu este preceito (renumerado como n.º 9 pela Lei n.º 28/2017, de 30 de maio), o legislador refere que «a eliminação da proibição de reformatio in pejus nos processos de contraordenação, como já acontece noutras áreas do sistema financeiro» teve em vista garantir «a necessária autonomia entre a fase administrativa e a fase judicial do procedimento contraor- denacional, bem como a congruência e a uniformidade de soluções do regime do ilícito de mera ordenação social vigente no setor financeiro».
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