TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

518 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL direito ao recurso, na medida em que desincentiva o arguido a recorrer (…) conformando-se com a decisão condenatória, sem que tal possa justificar-se com a salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos», tal como alegado pela recorrente. No que respeita à violação do direito à defesa, a argumentação da recorrente assenta na invocação da incongruência de um sistema que permite que um arguido em processos de contraordenação («um direito penal secundário» que, «não obstante ter um regime especial, rege-se também subsidiariamente pelo direito penal substantivo») veja, na sequência de uma impugnação judicial, «a sua posição agravada com uma condenação mais pesada do que a inicial», o que não é admitido no processo criminal. Na tese da recorrente, dispondo o ilícito de mera ordenação social de natureza similar à do ilícito criminal, deve valer quanto a ele um quadro de princípios e garantias constitucionais e legais idênticos aos que são próprios do direito e do processo criminal. Todavia, como a seguir se verá, não tem razão. 10. Quanto ao direito ao recurso, prevê o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição que «o processo criminal assegura todas as garantias de defesa do arguido, incluindo o recurso». É nesse contexto que surge o princípio da proibição da reformatio in pejus . Este princípio, embora não expressamente referido no texto da Constituição, encontra ainda suporte constitucional na medida em que é reclamado pela plenitude das garantias de defesa entre as quais se conta o exercício do direito ao recurso no domínio do Direito Processual Penal, como este Tribunal já reconheceu no Acórdão n.º 499/97, da 1.ª Secção, ponto 11 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt , tal como os restantes Acórdãos deste Tribunal citados), ao referir: «A proibição da reformatio in pejus justifica‑se fundamentalmente pela proteção das garantias de defesa (cfr. parecer da Câmara Corporativa, Boletim do Ministério da Justiça , n.º 180, 1968, pp. 103 e seguintes, no qual se discutem as várias posições doutrinárias sobre o fundamento jurídico da reformatio in pejus ; cfr. ainda Figueiredo Dias, Direito Processual Penal , 1974, p. 259; Castanheira Neves, Sumários de Processo Penal, 1967‑1968, p. 36; e Bettiol, Instituições de Processo Penal, 1974, pp. 304‑313). Na realidade, a proibição da reformatio in pejus foi referida no pensamento jurídico a fundamentações de natureza diversa, desde as que são baseadas na estrutura do processo penal (princípio do dispositivo para uns, estrutura do acusatório para outros) até às que assentam em razões valorativas substanciais (iniquidade) ou, até, em razões político‑criminais ( favor rei ). A esse tipo de razões, que pretendiam justificar uma ampla proibição da reformatio , sempre que apenas houvesse recurso de defesa ou no seu interesse, contrapôs Delitala os valores de justiça limitativos da proibição da reformatio quando não estivesse apenas em causa impedir uma modificação dos critérios do já decidido, mas corrigir erros na aplicação do direito (cfr. parecer citado, loc. cit., e ainda Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 1994, p. 321). Mas a conformação da proibição da reformatio in pejus , numa perspetiva jurídica que pondere globalmente todos os fins do sistema, não deve, na realidade, considerar apenas uma perspetiva de interesse do arguido, devendo, por isso, o âmbito da proibição ser delimitado na conexão entre as garantias de defesa e a realização da justiça. Não decorre, obviamente, da Constituição uma proibição absoluta da reformatio in pejus , pois isso seria con- flituante com o direito ao recurso da acusação e com a realização da justiça. Mas tem de ser garantida, num certo grau, a estabilidade das sentenças judiciais. A sua revogabilidade não pode ser referida a um plano de justiça abso- luta, mas apenas ao plano do recurso e da recorribilidade (cfr. Bettiol, ob. cit. , p. 307). O próprio direito ao recurso pressupõe a verificação de requisitos determinados, os quais justificam uma reapreciação dos factos provados ou do direito aplicado dentro da matéria recorrida, sendo o recurso a emanação de um poder não ilimitado de controlo pelos tribunais superiores das decisões proferidas em 1.ª instância. Ora, a proibição da reformatio in pejus é reclamada pela plenitude das garantias de defesa, quer porque a refor- matio in pejus poderia surgir inesperadamente ou de modo insuscetível a ser contraditada pela defesa, quer porque restringiria gravemente as condições de exercício do direito ao recurso. São, assim, princípios constitucionais, na sua concretização no sistema jurídico, que exigem a configuração de uma certa medida de proibição de reformatio in pejus (…)».

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