TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

50 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL IV - O artigo 43.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, na parte aqui em apreciação, aparentando ser uma norma de direito transitório formal neutra, determina a aplicação da lei nova a situações jurídicas já constituídas, nomeadamente o direito à fixação da pensão de acordo com a lei vigente no momento em que é apresentado o pedido de aposentação, caso o interessado reúna já nesse momento todos os requisitos legais para a aposentação; tal direito integra a sua esfera jurídica com a natureza jurídica de verdadeiro direito subjetivo e, quanto ao mesmo, o reconhecimento do direito à aposentação possui uma eficácia declarativa; ou seja, desde que se verifiquem os pressupostos legais da aposentação volun- tária, incluindo o respetivo pedido, o conteúdo da situação jurídica de aposentado encontra-se fixado ope legis , passando a gozar a partir desse momento da tutela própria dos direitos adquiridos. V - O principal fundamento invocado pelo Tribunal para a declaração de inconstitucionalidade da norma apreciada no Acórdão n.º 186/09 foi o princípio da proteção da confiança, que respeita a expetativas quanto à continuidade e estabilidade da ordem jurídica e à permanência e regularidade das situações e relações jurídicas constituídas; a jurisprudência constitucional densificou-o através da definição dos respetivos pressupostos essenciais e da tradução destes numa sequência de requisitos ou testes, respei- tando os três primeiros a uma situação de confiança imputável ao legislador e prima facie merecedora de tutela constitucional, todos se encontrando satisfeitos no caso vertente. VI - Em primeiro lugar, presume-se que o comportamento legislativo tenha gerado nos destinatários expec- tativas de continuidade – ao estabelecer os pressupostos da aposentação voluntária e fazer depender a sua efetivação de requerimento do interessado, o legislador fomenta nos destinatários a expectativa na aplicabilidade do regime determinável na data da apresentação do requerimento, e que não pode dei- xar de ser o que se extrai da legislação em vigor nesse momento; em segundo lugar, não pode duvidar- -se da legitimidade da expectativa do interessado em que se lhe aplique o regime que se extrai da legis- lação vigente no momento em que decide aposentar-se – o despacho da Caixa Geral de Aposentações que reconhece o direito à aposentação, como resulta da própria nomenclatura, limita-se a reconhecer uma situação jurídica subjetiva já existente, retirando da mesma todas as consequências em termos estatutários; em terceiro lugar, é natural que o requerente, exercendo o direito a aposentar-se, invista na confiança gerada pelo comportamento legislativo – a aposentação é uma decisão estruturante na vida de um cidadão, como o são a generalidade dos cidadãos, para o qual o trabalho remunerado é o principal fator de ocupação e fonte de rendimento no decurso da vida adulta; a hipótese da aposen- tação voluntária obriga-o a ponderar inúmeras vantagens e inconvenientes, materiais e intangíveis, e a planear a sua vida futura com base nessa ponderação; acresce que a aposentação é irreversível, o que indicia um grau máximo de investimento na estabilidade das respetivas consequências jurídicas. VII - Verificada uma situação de confiança imputável ao legislador, resta determinar se a frustração das expectativas legítimas dos requerentes na aplicabilidade do regime que se extrai da legislação vigente na data da apresentação do requerimento – ou, na data em que se reúnam todos os requisitos da aposentação – se pode justificar por razões de interesse público ou por outras considerações constitu- cionais relevantes. VIII - No caso, a lesão da confiança imputável ao legislador é de intensidade máxima; este sacrifício grave da confiança legítima não pode ser justificado pelo interesse público presumivelmente subjacente à solução consagrada na norma escrutinada nos presentes autos, restando concluir que a norma do segmento n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto da Aposentação que determina que a aposentação volun- tária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito

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